Comentando sobre o pop, você tem que entender que não existe uma cultura pop pura, porque não existe cultura pop. Pop é anti-cultura. Mas mesmo abstraindo isso e analisando obras e movimentos considerados pop você nunca terá um pop puro, mas sempre uma criação artística mais ou menos original e que tem vários pontos em que se identifica o direcionamento pop. Exemplo: Naruto. Ele não é um mangá pop. É simplesmente um mangá, o que, per se, é uma arte tradicional, mas suas bases morais e ideológicas são modernas, sua produção e circulação são para consumo da grande massa, ou seja, é algo heterogêneo como todo produto de cultura. Outro exemplo: Michael Jackson. Nada em MJ é tradicional ou simplesmente moderno, tudo nele é pop. A identidade e função ideológica, as formas estéticas e artísticas, o conteúdo das músicas, processo de produção e circulação, etc, e mesmo aqui não existe fenômeno pop puro, as origens de MJ estão no rock'n roll, na música sincopada de origem africana, certos elementos extáticos difusos etc.
Cultura pop não se populariza, se 'pop-lariza', ou seja, está ligado sim a uma disseminação de arte e cultura geral entre o povo, como a arte popular. Mas, diferente desta, é massificada, é fabricada para ser consumida, e consumida amplamente pela massa. Não é tão difícil assim identificar uma obra pop e uma obra popular, se você se atentar ao fato de que a produção, circulação e disseminação, das mais mutantes formas possíveis e imagináveis, está relacionado diretamente ao modo capitalista de produção, circulação e disseminação de mercadorias. O pop é mercadoria, é produto cultural sim, mas de uma forma muito mais visceral que na arte tradicional ou mesmo moderna até século XIX, pelo menos, é um produto mais que é cultura, é mais dependente dos seus aspectos mercadológicos, econômicos que dos valores espirituais, religiosos, sociais, enfim, a indústria pop é um rebaixamento da qualidade diante da quantidade, do valor diante do consumo. É feito para ser consumido, comprado, usado, gasto e jogado fora. Não possui durabilidade, nem física nem civilizacional, não são obras para a posteridade, marcas de uma civilização, de um povo e cultura, porque são, essencialmente, obras de uma época e manada que desconhecem qualquer unidade real étnica, nacional, social, civilizacional, religiosa.
Podem haver, na cultura pop, obras religiosas, genuinamente sociais, espirituais, mas, a partir do momento em que são cooptadas pelo pop, ou perdem sua identidade, ou a escondem, ou antes usam o pop do que o pop os usa. Um exemplo: Tolkien. As obras de Tolkien não tem NADA de pop mas depois da explosão de suas vendas, foi lentamente moldado, canalizada, enfiado em referenciais teóricos e formais pop, foi 'pop-larizado', no entanto, sua essência continua sendo a de uma obra literária de fantasia, um gênero pop, mas a obra em si é totalmente tradicional. Do ponto de vista da literatura ocidental, talvez seja até reacionária.
Disso tudo se depreende que o pop não implica em maior ou menor qualidade, nem implica em neutralidade, mas implica sim na produção e circulação de cultura que pode ser pervertida, na sua essência artística e espiritual, como pode nascer pervertida, sendo não-arte, mesmo uma forma de anti-arte, dependendo da forma como se articula a relação dos meios de pop-larização entre si e com o objeto artístico, o produto. O pop é impensável fora do capitalismo e de um capitalismo em suas últimas e mais selvagens fases, é uma forma de enquadrar, encarcerar, limitar, prender o fazer artístico de uma época em referenciais puramente quantitativos, economicistas, massificados. Nesse sentido, é bem filho de um tempo onde não existe como se criar nada original pela própria inexistência de unidades culturais e espirituais que caracteriza a pós-modernidade, mas é também um dos criadores de seus tempos no sentido de que as relações anti-artísticas que o pop gera acaba por perverter o próprio fazer artístico, maculando a arte com finalidades, motivos, inspirações, mesmo uma 'alma' não-artística. Também a presença de diversas falsas unidades, fantasmagorias conceituais, ídolos, uma característica bem nossa, é outro ponto essencial na cultura pop.
E, no entanto, a cultura pop é riquíssima, apesar de todo seu direcionamento anti-artístico, anti-estético, anti-cultural, pela sua vacuidade interna, é rica de obras de alto valor artístico e ideológico. Por quê? Vai saber, mas eu penso que o que torna o pop tão interessante nem sempre é uma queda de qualidade no gosto artístico mas, muitas vezes, o uso que artistas realmente geniais fazem de suas facilidades para vincular globalmente suas obras. O que demonstra o valor das obras de arte não é serem 'pop', mas o fato de não o serem, ou seja, por serem arte e, sendo arte, serem vinculadas pelo pop mas não submetidas a ele. O valor da arte pop está no seu poder de resistência ao pop estando inserida nele.
E, claro, isso não tem NADA a ver com arte popular.