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Devaneios sobre nossas Terra-Médias Pessoais

Gerbur Forja-Quente

Defensor do Povo de Durin
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Alguém disse uma vez: “Se descobrir o caminho do tesouro, não conte a ninguém”.<o:p></o:p>

Será isso que o professor Tolkien fez? Ele encontrou uma fórmula mágica e criou o melhor dos mundos mágicos sem jamais revelar seus segredos? Teria o professor nos encantado com seus personagens tão bem construídos, mas que na verdade esses seriam reconstruções de arquétipos e estereótipos bem definidos no subconsciente (e talvez conscientemente) de cada pessoa?<o:p></o:p>

Será que só amamos O Senhor dos Anéis porque já conhecíamos os seus personagens antes de conhecê-los nos livros, com novos nomes e roupagens?<o:p></o:p>

Perceberam que os magos são sempre velhos, barbudos e de fala macia que nos envolvem em suas palavras de sabedoria? Será que é porque todo mundo tem um tio, avô ou até amigo que se encaixa perfeitamente nesse estereótipo. Nesse caso, ao nos identificarmos com as palavras sábias dos magos estaríamos na verdade “re-concordando” com tudo aquilo que nosso avô nos disse uma vez e nos guiou por muito tempo.<o:p></o:p>

E os heróis? Repararam como eles são sempre austeros e resolutos? São verdadeiros, justos, fortes, confiáveis, transpiram majestade, mas são também durões e pouco revelam de seus sentimentos. Seriam os heróis na verdade nossos pais travestidos de heróis? Aqueles que são gigantes para qualquer criança, que nos fazem sentirmos seguros ao seu lado, mesmo que tivermos que lutarmos, ao lado deles somos mais fortes. Será esse o segredo dos heróis?<o:p></o:p>

E os jovens têm sempre que serem alegres e irresponsáveis? Divertidos, envolto em muita música e bebedeira e brincadeiras, como Merry e Pippin? Será que os jovens não são na verdade nossos melhores amigos, que nos levam “ao mau caminho” e através deles nos metemos em grandes enrascadas para depois rirmos de tudo ao contar nossas aventuras de novo e de novo?<o:p></o:p>

Os inimigos são sempre irrevogavelmente maus. As vezes usam capuzes que escondem seus verdadeiros rostos, as vezes são mais físicos, enormes, muitas vezes mais fortes que nós, mas são sempre maus. Será porque nossos inimigos reais, do nosso ponto de vista, são sempre os errados? Os encapuzados são aqueles que não conhecemos bem e suas apunhaladas são as mais doloridas, às vezes nunca saram.<o:p></o:p>


Mas e os itens mágicos? Nenhum de nós tem algum Anel de Poder, têm? TÊM! Aquele anel de ouro que você herdou do seu pai, que poderia ser de lata, mas que você tem um grande carinho, com ele sente-se próximo do seu pai, sente-se herói como ele! Os homens têm suas camisas da sorte que sempre colocam quando vão assistir aquele jogo importante ou quando vão enfrentar um grande desafio na vida como o vestibular. A moedinha do tesouro que nunca gastamos pois sabemos que é ela que sempre nos traz mais dinheiro. As mulheres têm algum sapato ou calça que as deixam mais bonitas e que elas sabem que usando aquilo nenhum homem vai resistir a seu poder de sedução na balada. Hmm, seriam os anéis de poder nossos itens cotidianos (e mágicos)?


Seriam as aventuras da Terra-Média, as aventuras da vida? Algumas de aparente pouca importância, mas que nos mudam por completo. Outras de tamanha importância que não mudam só a nós, mas a muitos. Há também grandes tropeções, grandes corre-corre, feridas são abertas, amigos são perdidos, amigos dão conselhos, seguimos, esquecemos, amamos e vamos vivendo. Torcendo para que no final sejamos capazes de cumprir nossa grande missão, nossa grande tarefa, mesmo que não sabemos bem ao certo para onde vamos e como conseguiremos realizar tais feitos. Seremos nós, leitores, hobbits a desbravar a Terra-Média da vida cotidiana?<o:p></o:p>

Será que o segredo da Terra-Média é o que o professor disse desde o princípio: “A Terra-Média nada mais é do que o nosso próprio mundo, a nossa própria terra”. Talvez ele tenha nos dito seu segredo logo de cara, tão de cara que ninguém percebeu. E nos deliciamos com as aventuras, amigos e inimigos de personagens que na verdade compõem a nossa vida real, só que com outra cor, mas o mesmo sabor. Com nomes bonitos, estranhos e diferentes para despistar a gente, e como despistam! Mas no fundo, todos nós sabemos que bem no fundo, aquela é a nossa história, está dentro de nossos corações e por isso nos identificamos tanto com ela, e vamos amá-la e segui-la e repeti-la de novo e de novo e mais uma vez...<o:p></o:p>

O que acham? O que será que amamos no Senhor dos Anéis: a história que Tolkien escreveu nos livros? Ou a história que cada um de nós escreve na vida?
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Última edição:
Quantas perguntas e reflexões num post só...

Vou tentar dar minha opinião sem refletir tanto, só articulando o que você escreveu Gerbur, com uma matéria que li na Superinteressante sobre um livro de Joseph Campbell - "O herói de mil faces".

A idéia da aventura inesperada, das dificuldades e ajudas encontradas pelo herói na sua estrada são a história de vida do mesmo, mas como você disse, possuem suas semelhanças com as nossas próprias histórias de vida.

O mago/velho sábio que nos ensina através da sua experiência de vida, o Tom Bombadil que aparece inesperadamente em uma situação difícil para nos ajudar (provavelmente não tão estranho embora), os amigos que se mantém ao nosso lado nas situações mais perigosas, o desafio que parece tão impossível que nos faz gastar até nossas últimas energias...

A trajetória do herói é um exemplo de vida, uma história que "deu certo".

Concluindo:

Gerbur disse:
O que acham? O que será que amamos no Senhor dos Anéis: a história que Tolkien escreveu nos livros? Ou a história que cada um de nós escreve na vida?

Ambos, pois não podemos desassociar uma história da outra! E é pela aplicabilidade da história de Frodo (ou de outros heróis) que tudo isso acontece.
 
É como ouvi uma vez, "O que tempera a comida não é o tempero, o tempero é temperado e o observador que saboreia concede essa característica ao alimento".

Freqüentemente os autores falam que seus personagens acabam dizendo a eles o que fazer, que eles são guiados mais por aquilo que o personagem busca do que propriamente pelo autor e eu penso que isso ocorra também para os personagens inanimados (que não sejam pessoas).

Basicamente o livro é um processador que contém uma linguagem visual a ser interpretada. Hoje em dia os computadores tem um mecanismo de saída que passou por uma série de evoluções...

Começou com um computador sem tela, interpretado com a mente do pesquisador. A seguir o mecanismo de saída passou a fornecer imagens por um tubo de imagem. Depois veio a tela LCD, as telas 3D, em breve os hologramas e o próximo passo talvez seja um periférico de saída que forneça materializações. Nos Eua o pessoal anda discutindo que a legislação de copyright para uso de impressoras 3D vai ser um pesadelo de se fazer.

Ao seguir um sistema de coerência e tentar moldá-lo como ocorre no mundo real os resultados são bem parecidos. Um personagem fica mais realista se representa a realidade com mais detalhes. O dilema do espelho de Galadriel.

O mundo da terra média é um exercício do pensamento. Se compararmos as ferramentas filosóficas imbúidas na história de SdA (análise, síntese, combinação, etc) veremos que são muito parecidas com as ferramentas evolutivas (recombinação, mutação, seleção, divergência) que são as mesmas ferramentas usadas pelos seres vivos ou por aquilo que consideramos como um mundo vivo e provido de energia. Quanto mais fiel é o exercício em relação ao mundo, melhor o aproveitamento do leitor.
 
E não é assim que são todas as lendas e mitos, no fim das contas?
Representações das nossas aventuras cotidianas conscientes e inconscientes.
Bem citado por Anwel o nome do saudoso mestre Joseph Campbell. Como ensinado por ele, a cultura humana tem seus alicerces nas histórias e nos heróis (imaginários ou reais), que nos inspiram a lutar e a viver.

Sem as histórias e sem os heróis, a vida humana perde a poesia, perde parte ou talvez toda a sua 'humanidade' intrínseca.
 
Rapaz, que texto bonito que você escrevou. Suas analogias são bem interessantes e me parece obvio que nos reconhecemos em vários personagens de Senhor dos Anéis e em várias passagens também.
 
Mestre Gerbur, tua discussão é muito pertinente!

Sou bem junguiana na visão do mito por trás de Tolkien e acredito que estes papéis, que estão presentes em muitas narrativas desde sempre na história do homem, sejam reflexo do que ele denominou "arquétipos" e "inconsciente coletivo". Explico:

Freud 'descobriu' o Incosciente humano e Jung, discípulo de Freud, cavou mais fundo e chegou ao dito inconsciente coletivo. Este é formado pela herança de toda uma humanidade (comum a todos, independente de experiência pessoal) que soma-se às experiências pessoais e dita o nosso psicológico. O inconsciente coletivo é formado de imagens, experiências, ações e reações bem primitivas, e por primitivas me refiro ao 'que veio primeiro', não necessariamente rudimentar; essas imagens são os ditos arquétipos. Diz Jung que os arquétipos foram formados por repetições infinitas de experiências que ficaram gravadas sob a forma de possibilidade de um certo tipo de percepção e de ação.

Esses arquétipos, por serem material psíquico ancestral, dão origem às fantasias e mitologias universais, semelhantes inclusive entre povos que nunca se encontraram. Toda imagem arquetípica traz consigo suas características, sejam elas positivas ou negativas, daí a imagem do mago sábio (Gandalf, Merlin, et cetera) e do mago traiçoeiro (Saruman, Voldemort, entre outros), ou do casal perfeito formado no final (Aragorn e Arwen ou princesas da Disney com seus príncipes salvadores...) por exemplo.

No caso citado por ti, acho que conosco funciona somente como uma identificação nossa com os papéis sociais desempenhados pelos personagens. A meu ver a criação deles é arquetípica (inconsciente coletivo) e nossa identificação é freudiana (inconsciente pessoal).
 
Legal pessoal, muito bom!

E pensando no que a Pim disse me ocorreu a dúvida: será que nós gostaríamos tanto dessa história e desses personagens se os estereótipos fossem embaralhados?

Por exemplo:

E se o mago não fosse velho e austero? E se o mago fosse jovial, alegre, sempre disposto a beber, fumar e cantar uma bela canção (como Pippin).

E se o grande herói da história (que casa no final e vive feliz para sempre) não fosse tão correto, tão bom e justo? Se ele cometesse falhas, fosse um pecador, alguém falível (como Boromir, ou até ainda mais falho)?

Ah! E se o casamento final do "felizes para sempre" fosse gay? uahuhauhua Já pensaram?!

E se agum orc fosse bom??? Ou mostrasse misericórdia em algum momento. Como uma história romântica, O Senhor dos Anéis apresenta só dois lados: o bom e o mal, o branco e o preto... mas e se tivéssemos mais "cinzas" entre esses dois extremos?

E se algum elfo fosse jovem e desastrado? Nada daquela áurea de sabedoria eterna e magia. Se o elfo fosse desnudado de suas características mais marcantes como a beleza? Já imaginaram um elfo feio (além de Hugo 'Elrond' Weaving, rs), desprovido de sua magia e sabedoria?

Já imaginaram algum anão artífice que não gostasse da forja? Que fizesse trabalhos ruins? Ou que fosse medroso em batalha?

Enfim, se a história fosse embaralhada, misturando todos os estereótipos, tornando praticamente irreconhecíveis nossos heróis da vida real ou das vidas de nossos ancestrais. Será que daria certo? Essa história nos atingira tão profundamente? Ou não, para nos identificarmos com ela dessa forma, é preciso que nós consigamos ver (talvez inconscientemente) nossos amigos e familiares nela?
 
"O inconsciente cria, o ego edita." Stanley Kunitz. E se, no inconsciente de Tolkien, o mago fosse jovem, cheio de vícios? E se o seu ego tratou de moldar isso para evitar inconsistências morais?

E se, no inconsciente de Tolkien, Sam e Frodo fossem, sim, SÓ bons amigos, naquele estilo de "há amigos mais chegados que irmãos" e o nosso, dos leitores, ego quisesse ver essa amizade como um relacionamento homossexual?

Por que nos identificamos, tanto, com as personagens tolkienianas? Porque somos seres de contato. Não somos seres do 'estar para', somos seres do 'estar com', e, a partir disso, realizarmos algo, ou seja, 'estar com para construir'. As personagens de Tolkien não estão distantes de nós, não estão acima de nós, elas estão conosco. Uma das máximas das religiões é a de aproximar o Deus ou os deuses dos seus seguidores.

Nas religiões cristãs, trabalha-se muito a questão da INTIMIDADE com Deus. Ora, o conceito de intimidade pressupõe a existência de proximidade, de confiança. Então, para os cristãos, na atualidade, não basta que o seu Deus seja aquele que governa os céus e a terra, é necessário que Ele seja aquele que caminha contigo, aquele que é onipresente.

No candomblé e na Umbanda, você tem o seu orixá, o seu guia. Uma leitura possível é a de que um guia é aquele que está sempre contigo, que não só te mostra o caminho, mas que te ajuda a caminhar.

Por que gostamos tanto de Ilíada e Odisséia? Por que fazemos, imediatamente, o pacto com os deuses gregos presentes nestas obras? Porque os deuses gregos são MUITO humanos. Eles se iram, eles são vingativos, mas também são amorosos, também são detentores de sabedoria.

As relações de espelhamentos entre os leitores e as obras de Tolkien são muito intensas. A questão de identificação está, como bem explicou o Gerbur, no post inicial, muito bem colocada na obra do Professor.
 
Bom, o primeiro post traz uma idéia que tem uma resposta quase óbvia apesar de ser uma pergunta que a humanidade se faz a muito tempo: por que gostamos de alguém ou alguma coisa? Gerbur foi e nos deu a resposta de cara. Gostamos porque nos identificamos com essa coisa.

Você poderia, por exemplo, ser amigo de alguém com quem não se identifica? Muito difícilmente. O mesmo vale para os personagens de livros, nós nos identificamos com eles e logo os entendemos. Quando você entende o outro mesmo que ele seja odiado por você não se pode evitar ter um certo apreço mesmo que não concorde com as ações dessa pessoa.

Enfim, se a história fosse embaralhada, misturando todos os estereótipos, tornando praticamente irreconhecíveis nossos heróis da vida real ou das vidas de nossos ancestrais. Será que daria certo? Essa história nos atingira tão profundamente? Ou não, para nos identificarmos com ela dessa forma, é preciso que nós consigamos ver (talvez inconscientemente) nossos amigos e familiares nela?

A resposta para essa pergunta depende da maneira como o livro é escrito!

Do ponto de vista de um Orc quem sabe não fosse Frodo o inimigo temível, uma grande ameaça para o mundo? E pode-se pensar em vários filmes em que o herói é um bandido que quebra as leis e as vezes machuca as pessoas. Mesmo assim nos pegamos muitas vezes torcendo por eles, esperando que conquisetem seus objetivos.

O conhecimento das razões do outro nos leva a apaziguar nosso ódio, nossa repulsa a certas atitudes (que nem por isso se tornam mais ou menos corretas). Ao entendermos o outro obrigatóriamentente nos identificamos com ele. Quem nunca se sentiu injustiçado ou contrariado e sentiu vontade de explodir tudo? Todos sentimos inveja, vontade de vingança e desejo. Talvez não tenhamos derivado más ações desses sentimentos mas podemos entender que alguém tenha.

Para mim o segredo de Tolkien vai além da identificação do leitor com as personagens comparando-as a personagens da vida real. Tolkien quase nos fazia perceber o motivo de cada povo, de cada personagem, descrevia a beleza única e ao mesmo tempo decadente da Terra-Média, beleza esta que a comitiva deveria defender. Quando nós entendermos os motivos das personagens sendo eles a superação de Frodo ou a corrupção de Saruman vamos sentir que aquelas ações são verossímeis, aquele mundo fatástico é verossímil.

Fazer um mundo tão incrível parecer com a verdade é o puro trabalho de um gênio e sua real magia. Não posso deixar de dar parabéns a qualquer autor que me engane, me faça entrar no seu mundo e realmente acreditar em suas palavras, me identificar com tudo!
 

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