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T. S. Eliot

Mavericco

I am fire and air.
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Poeta, crítico e dramaturgo norte-americano naturalizado inglês (26/9/1888-4/1/1965). Considerado um dos principais nomes da poesia moderna de língua inglesa. Nascido em Saint Louis, Missouri, Thomas Stearns Eliot estuda nas universidades de Harvard (EUA), Oxford (Inglaterra) e Sorbonne (França).Em 1915, desencantado com a vida cultural dos EUA, muda-se para Londres, onde trabalha no Lloyds Bank durante sete anos. Em 1917 publica A Canção de Amor de John Alfred Prufrock, de influência simbolista. Seus ensaios em The Sacred Wood (1920) iniciam uma revolução nos critérios da análise literária.

O reconhecimento internacional é alcançado com A Terra Devastada(1922), sua obra-prima. É uma longa descrição poética da Europa desolada do pós-guerra e uma síntese dos grandes momentos da civilização ocidental. Além dos simbolistas franceses, o escritor italiano Dante Alighieri influencia sua obra, que explora os mecanismos da consciência.
Em 1927 naturaliza-se inglês e converte-se ao anglicanismo. Recebe o Prêmio Nobel de Literatura em 1948. Escreve as peças Murder in the Cathedral (1935), The Family Reunion (1939) e The Elder Statestman (1958), entre outras.

FONTE: http://www.algosobre.com.br/biografias/t.s.-eliot.html

Outra fonte interessante é a do site do Prêmio Nobel:
MLA style: "T.S. Eliot - Biography". Nobelprize.org. 28 Oct 2012 http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1948/eliot-bio.html



Li recentemente T. S. Eliot no original e confesso que não fiquei tão admirado quanto a primeira leitura que tivera dele... Talvez seja a época errada. Mas enfim. O que importa é que Eliot continua excelente, de modo que quero abrir esse templo para que possamos falar de seus poemas, livros, comidas favoritas e essas coisas todas.

Quero começar fazendo um pequeno questionamento para tentar iniciar uma discussão com aqueles que já o leram:

Que o tema principal da poesia de Eliot é a dissolução, a devastação das coisas, a meu ver não se trata de algo muito questionável (ou que, se questionável, não radicalmente questionável). Assim, posso dizer que The Love Song of Alfred Prufrock trata da dissolução da mente humana, que The Waste Land trata da dissolução do espaço, que The Hollow Men trata da dissolução do homem, que The Four Quartets trata da dissolução da consciência humana (isto é, mente humana+espaço).

Se em Alfred Prufrock Eliot compara o céu a um "patient etherized upon a table", a meu ver essa comparação parece ter como objetivo o vazio que a sociedade da época, emergindo na Primeira Guerra, ostentava, o que parece ser logo depois analisado pelo poeta nas próximas estrofes:

Let us go, through certain half-deserted streets,
The muttering retreats
Of restless nights in one-night cheap hotels
And sawdust restaurants with oyster-shells:
Streets that follow like a tedious argument
Of insidious intent

Esse vazio é o resultado direto de toda dissolução, o que não implica que as coisas tenham deixado de existir, mas que elas apenas saíram de seu arranjo (para se reorganizar em outros, para se afastar etc). A única forma de retornar a esse arranjo primordial das coisas seria o de justamente rearranjar o universo, no que o eu lírico se pergunta:"Do I dare / Disturb the universe?" Posteriormente o eu lírico também pergunta:"Should I, after tea and cakes and ices, / Have the strenght to force the moment to its crisis?"

No entanto, no final o eu lírico diz que não é Hamlet, mas que é um atendente, um Bobo. A referência a Hamlet parece partir do princípio que Hamlet também usa a equação básica de que, ao se desordenar o caos, o caos estará sendo organizado. É o que a dissolução da mente de Hamlet na mente de um louco parece indicar; mas o poeta não tem mais a força de recuperar aquele tempo evocado anteriormente ("There will be time , there will be time / To prepare a face to meet the faces that you meet"), e, mesmo que a voz humana acorde esse eu lírico, ele está afogado, pois está dissociado.

Assim, a dissolução do indivíduo advém diretamente de sua incapacidade de mudar o meio e do fato do meio já está por si mesmo dissociado. seguindo meu raciocínio anteriormente exposto, é em The Waste Land que Eliot nos diz como o espaço se dissociara.

Mas não quero me estender muito sem saber a opinião de quem leu. Vamos botar pra quebrar, T. S. Eliot sempre tem muita coisa a ser discutida! :joy:
 
Última edição por um moderador:
Esse é o meu nolyon, gente. Mavz :grinlove:

Depois apareço para comentar, decentemente, o tópico. Só vim floodar porque precisava mostrar que sou uma saitorë feliz.
 
Interessante, quero ler Elliot. Esse tema da dissolução tem aparecido, em um sentido cosmológico, nas minhas leituras das leituras de Eliade sobre os Upanishads, no que se refere à mahapralaya (a grande dissolução) que marca o fim de uma era, um ciclo cósmico. Entre todas as reflexões que isso pode acarretar eu percebo, na literatura, a perenidade desse motivo mitológico, presente na tragédia grega, em Hamlet, até mesmo em Machado com a dissolução de épocas que se reencontram no futuro, pontas de vida atadas. Talvez seja um tema mais universal do que parece. :think:
 
Outro exemplo de autor que se utiliza dessa concepção é o Joyce, embebido em Giambista Vico. As thunderwords e a estrutura geral do Finnegans Wake atestam essa ciclicidade que se pauta no caos como delimitador, como se o movimento de todas as coisas tendesse para o caótico, para essa renovação.

O poeta parece ganhar a consciência disso de forma mais precisa no Four Quartets:

But to what purpose
Disturbing the dust on a bowl of rose-leaves
I do not know.

Ou, mais exatamente, a não-consciência disso, pois preciso manter minha tese de que o Four Quartets fala da dissolução da consciência humana. E isso ocorre a tal ponto que o pássaro diz: "(...) human kind / cannot bear too much reality.", enquanto as pessoas olhavam para uma "drained pool".
 
E, pelo que me consta, o próprio Giambatista Vico era um teósofo (no sentido que Guenon dá à palavra, não aquela tosca da Blavatsky), representante da tradição hermética europeia. Hummm, muito interessante. Joyce é outro que ando doido pra ler.
 
Nunca li nada dele.8-O

Pô, então lê aí :joy:
Da linha de frente da poesia dele, acho mais fácil o The Hollow Men. O uso de citações, que é o que costuma afastar o leitor, está menor nele (na verdade, está concentrado na última parte). Depois dele você pode o The Love Song, que é também tranquilo (acho ele mais imagético). Aí você pode dar uma perambulada no resto da obra dele antes de encarar o The Waste Land e o Four Quartets, que são bem mais complexos... O Waste Land pela técnica (é meio chato ter que ficar pesquisando todas aquelas citações, mesmo que o Eliot tenha indicado suas origens) e o Four Quartets pelo tema e pela exposição do tema, que é bem abissal... (mas, se você entende bem a primeira parte, que é de longe a mais difícil, o resto fica até fácil)
 
Estava folheando uma edição da Trip sacanagem hehehehehe e me deparo com a nota de lançamento da Poesia Completa do Eliot, traduzida pelo Ivan Junqueira, pela Arx (infelizmente esgotada...). Aí encontro dois comentários: um que eu já sabia e...

O primeiro falava dos primeiros versos do The Waste Land, daquela coisa de Abril ser o mais cruel dos meses pois germina lilases na terra morta. Ele explica que Abril é quando o inverno se despede do hemisfério norte: logo, as árvores passam a encravar suas raízes no solo.

Até aí beleza; eu já sabia disso e tudo mais.

Mas o segundo... O segundo diz que o poema foi escrito sob a perspectiva de um cadáver enterrado.

Na boa, quando eu li isso eu perguntei: "Oi?"

Isso tipo assim... Muda COMPLETAMENTE o diabo daquele poema o_O
 
Continuando daqui.

Reli o poema com mais calma, Mavericco, ignorando as notas e estranhamente me pareceu bem mais fácil. Me impressionou como a linguagem dele não é difícil, como tinha parecido, nem as imagens são difíceis de "ver" em geral, mas como com o simbolismo por trás já se torna outra coisa (aí onde entram as notas). Falta fazer essa leitura com os simbolismos agora (a mais trabalhosa). rs Ainda não tenho uma parte preferida, tem várias muito boas. E fiquei em dúvida se comentava aqui ou lá.

Mas vamos voltar para o começo. Os títulos e a sua interpretação (Mavericco) de que o poema descreve (também e entre outras coisas) a vida de uma pessoa (seria isso, ou estou errado?). Bem, acho que minha interpretação está ainda muito influenciada pelas notas que li, mas em princípio não tinha visto um todo unificado, a vida de uma pessoa. São muitas imagens, aparentemente da vida de várias pessoas, homens e mulheres. Mas acho a ideia de que seja a vida de uma pessoa fantástica mesmo assim (como você disse, é uma possibilidade e faz muito sentido).

Talvez o título seja um ponto a favor da interpretação "unitária" porque poderia ser "The Waste Lands", né? Aliás, o que você acha da ideia (de alguns críticos) de que as cinco partes foram escritas pelo Eliot separadamente? Ainda sobre os títulos, por que eles não parecem ter muita relação com o que é descrito em cada parte? (no caso da segunda parte há uma relação com peças de teatro baratas do tempo do Eliot é isso? E na quarta há um morto, mas superficialmente)

Sobre o moralismo no final da segunda parte, seria porque Lil e as amigas estão conversando em um bar sobre aborto e a "facilidade" (elas reclamam dos efeitos colaterais químicos e psicológicos) de fazer um (seria isso? essa interpretação é influenciada pelas notas, hein). A ideia seria então a do desperdício da fertilidade, do sexo, sexo sem frutos. Faria sentido assim? Isso também teria relação com a ideia da traição da outra personagem que aparece antes na parte 2, a que fica "incomodando" o marido. A peça de onde veio o título "Um jogo de xadrez" também não é sobre traição? Ou você acha que apesar de ter relação com o tema da fertilidade/infertilidade do poema, não é um moralismo da parte do Eliot?

Acho que vou acabar lendo a tradução do Ivan Junqueira também com notas etc.
 
Última edição:
Poxa, que bacana que você começou a gostar do poema! \o/
É uma pena que muitos leitores desistam do Waste Land antes de ler ou ao menos de lê-lo todo... Não existe obra de arte difícil que resista a uma releitura atenta.

Isso tudo que você disse no primeiro parágrafo é bem plausível que ocorra, sabe? Que, ao invés de ser apenas um corpo ou uma The Waste Land, sejam várias. Ou pode ser que, em ser um, sejam automaticamente vários, seguindo aquele lance doido do Joyce no Finnegans Wake, isto é, de um Here Comes Everybody que é todo mundo e é uma só personagem. A unidade na fragmentação é algo importante, e, certo modo, talvez até mesmo faça sentido de que são várias The Waste Land's... Porque, no final das contas, como a terra está devastada, ela é apenas uma coisa só. A vista aérea de, sei lá, uma cidade bombardeada desconsidera se no canto esquerdo havia um gueto, no canto direito uma casa de prostituição esquinas ao lado de uma butique de luxo...

Sobre o que você perguntou,

"Aliás, o que você acha da ideia (de alguns críticos) de que as cinco partes foram escritas pelo Eliot separadamente?"

Acho bem plausível que seja assim. E acho até mesmo que foi assim... Não me lembro se li isso numa entrevista ou alhures, mas o fato é que nas notas do Junqueira ele fala disso. O processo de composição do Eliot é um processo fragmentário. Ele escrevia vários fragmentos e depois os colava, num processo de, é claro, colagem. O processo de escrita foi por si só caótico, de modo que, no final, o Eliot se preocupava mais em dar um jeito daqueles pedaços ali fazerem algum sentido. Ou não fazerem sentido nenhum... É um processo comum na lírica moderna o processo da dissonância. Isto é, de que o fim do poema não seja nem tanto uma unidade harmônica, como o corpo das epopeias que seguia proporções áureas, mas simplesmente um todo que valorize o fragmento e que, se porventura valorizar a harmonia, que seja uma harmonia desarmônica, que seja uma harmonia de contrários. Seja, por exemplo, o que o Eliot desenvolverá nos Four Quartets ou, certo modo, a unidade do Ulysses do Joyce, que, apesar de ser bastante dissonante, apesar de ser em muitas partes obscuro e desejar ser assim mesmo (pois o entendimento nem sempre é uma coisa boa), ele é uma unidade, é apenas um único dia e, no sub-solo de todas aqueles malabarismos literários, existe um substrato inequívoco: as horas que se passam, Blazes Boylan que está chegando à casa de Molly Bloom, Stephen que vai de lá pra cá, que abandona a torre, que vai pra escola às tantas horas etc e tal.

O quesito dos títulos é outro quesito também interessante. É possível que os títulos não tenham nenhuma relação com o conteúdo das partes, apesar de ser improvável. Esse processo de intitular algo com pouca relação com o conteúdo é um processo mais ou menos comum na lírica moderna... O Rimbaud usa-o mais ou menos nos textos de sua última fase (é, vou fazer propaganda de novo do tópico :P ). Por exemplo, em determinado texto de Uma Estadia no Inferno, o título é O Relâmpago. Mas ele fala do trabalho humano! Aí você não sabe direito qual a relação com aquilo... Quando ela é óbvia por demais: o que ele quer dizer é que a vontade de trabalhar vai e vem como num relâmpago. Outro exemplo seria o do Mallarmé... Mas o Mallarmé é mais complexo; ele aprofundou muito a característica dissonante da lírica moderna. O Um Lance de Dados, por exemplo, recebe esse nome pela frase inicial do livro? Porque o título faz parte também do poema, isto é, literalmente? Porque a disposição do poema lembra a de dados jogados? Ou pelas múltiplas acepções que o termo possui em francês e que o Haroldo de Campos fez bem em assim transplantar para o Brasil (por exemplo, o título original é Un Coup de Dés, e um termo como "coup" pode significar até mesmo corte, do mesmo modo que "lance" pode, homofonicamente, nos levar a "lança" e por aí vai)?

No caso do Eliot é provável que a coisa seja até simples. The Burial of the Dead se relaciona com o final da primeira parte, onde falam acerca de enterrar um cadáver etc e tal (se fosse seguir minha leitura expandida, nessa parte o cadáver enterrado estaria ouvindo as vozes lá de cima). O A Game of Chess pode ser isso que você disse mesmo, ou pode ser uma associação generalizada do jogo de xadrez com o universo burguês, aquela coisa de você ter que mexer seus pauzinhos pra garantir espaço. Por exemplo, a Lil dar uma arrumada pra não perder o esposo. A terceira parte, The Fire Sermon, pode ser um contraponto mesmo, visto que o eu lírico se sentou à beira de um rio e foi cantar suas mágoas. Mas um rio numa The Waste Land é algo muito irônico, então é provável que o Eliot tenha trabalhado com esse contraponto... Afinal de contas, essa é a única parte do poema em que um estupro de fato ocorre. E aí o Eliot pode ter feito uma ligação com uma imagística antiga. Falo assim: o ato do sexo foi sempre comparado à água. A Hilda Hilst tem até um soneto que fala disso: "E sendo água, amor, querer ser terra." Assim, o estupro pode ser o oposto disso. Ou talvez a resposta para essa questão esteja no finalzinho da terceira parte, em que ele lembra Cartago e tem aquele "Burning burning burning burning", como se o eu lírico estivesse comparando a Unreal City à devastação de Cartago, o que não é nem um pouco improvável se, desde o começo, a coisa é mais ou menos por aí: as ninfas se foram, o rio estava poluído etc e tal.

Ou então pode se ligar à Eneida. No canto I, logo após o naufrágio, Eneias e sua tchurma vão pra Cartago. Aí o Enéias e a Dido possuem um romance básico (canto IV, salvo engano) e, no final, como o destino do Enéias era fundar Roma, Júpiter dá uma lembrada nele dos deveres e o Enéias vai embora. A Dido fica arrasada e se joga numa pira funerária, um suicídio de amor. É um episódio relativamente famoso, e o fecho dele é também notável: "Foi-se o calor e evaporou-se a vida." (trad. Odorico Mendes)

A quarta parte é bem tranquila, e você disse bem o que pode ser. Já a quinta é também mais complicada... Não me lembro de muitas imagens de trovões na poesia do Eliot. Podemos pensar num contraponto irônico, se trovão for associado a tempestade e tempestade a uma The Waste Land (além do mais, há o estribilho "But there is no water", isto é, se é uma tempestade, ela é uma tempestade sem chuva, logo, é uma tempestade puramente destrutiva). Ou podemos pensar na brevidade do trovão, isto é: um trovão é rápido demais; assim sendo, o que ele tem a dizer? A parte cinco me parece ser a parte mais crítica do poema, de modo que isso pode ser uma crítica que o Eliot faz à coisa toda. E ao mesmo tempo, sempre que leio essa parte sinto um clima apocalíptico que a percorre... Pode ser que em especial pelo seu final ou pelas últimas palavras dela, aqueles "Shantih shantih shantih" que, nas notas do Eliot mesmo, salvo engano, ele diz para se ler como se fossem últimos suspiros... Como se estivessem decrescendo ou algo assim. Como se o trovão fosse a última coisa a terminar de esterilizar aquela terra.

E agora ó, essa parte aí do aborto eu tinha passado batido... Mais uma vez, pode ser moralismo ou pode ser que o Eliot esteja apenas aprofundando aquilo que eu disse da ironia de uma The Waste Land onde existe toda uma teia de estupros. Nesse caso, não é irônico que uma terra onde a solução seria a fertilidade abarque pessoas que abortaram?

Tem também a nota que o narrador faz, ironicamente, depois que ela diz que tomou as pílulas pra abortar: "(Ela já tinha cinco, e quase morreu ao ter George.)" Era fertilidade demais pra uma só mulher... Para uma mulher que só sabia ser isso, parideira: "Por que casou se não queria filhos?"

Mas pode ser moralismo do Eliot também. Por mais avant le garde que ele fosse à época, apoiar o aborto era demais. Imagino que, no contexto em que o poema foi escrito, o moralismo em relação ao aborto era algo que até mesmo os mais mente-abertas da época tinham...

Em outras palavras, acho que é bem isso que você disse mesmo: "A ideia seria então a do desperdício da fertilidade, do sexo, sexo sem frutos."

Essa peça do Middleton eu nunca li, aí não tenho como dizer... Mas o Junqueira tem uma nota bem esclarecedora:

O contraste entre a vida dos grandes e a do povo numa terra estéril e destituída de significação. Na peça de Middleton, o jogo de xadrez abrange a sedução e o estupro. A maldição da terra no mito segue-se à violação das donzelas na Corte do Rei-Pescador.
 
Última edição:
Em tradução (arrima)
Caetano Galindo
15 de Março de 2018 às 15:47

Traduzir uma sentença pode ser definido simplesmente como dizer a mesma coisa com outras palavras.

Eu vivo insistindo, inclusive, que em muitos casos o dado “trocar de língua” nem é o mais complicado. E vivo insistindo, também, que o que se diz na tradução é ideal e funcionalmente “a mesma coisa”. Sim, plenamente, ao contrário do famoso “quase a mesma coisa” proposto no livro do Umberto Eco.

Agora, traduzir uma sentença literária já se reveste de mais especificidades. Trata-se de dizer a mesma coisa e, além disso, buscar um equivalente de determinado efeito estético, muito mais sutil, muito mais delicado que a mera semântica.

Dizer a mesma coisa; e com estilo.

E tradutores de literatura, claro, apreciam essas novas constrições. São elas que deixam o jogo divertido.

E o que dizer da tradução de poesia metrificada e rimada?

Trata-se, agora, de dizer a mesma coisa (e esse dado não pode ser subestimado), com bastante elegância, com um número de sílabas pré-determinado, terminando tudo com um som pré-escolhido (a rima) e não raras vezes tendo ainda que escolher repetições estratégicas de consoantes e/ou vogais (aliterações e assonâncias) ao longo do trajeto.

É tipo um jogo de palavras-cruzadas com regras determinadas por Satã. Ou Deus. Depende do gosto do freguês.

A poesia de T. S. Eliot, que vêm me ocupando desde o ano passado, é um caso todo especial. Afinal, ele é conhecido justamente por ser um dos poetas que definiram certo padrão de verso livre e branco, quase prosaico, para a poesia moderna. Ao mesmo tempo, ele é o cara que famosamente afirmou que não existe verso livre; que todo verso aparentemente sem metro na verdade manifesta uma tensão, um constante desafio de um padrão que se insinua, contra o qual o poeta trabalha.

E desde o seu primeiro poema, a incrível Canção de amor de J. Alfred Prufrock, com seu jogo permamente em torno do pentâmetro jâmbico (o decassílado da língua inglesa), e sua infinidade de rimas de todo tipo, misturadas a versos brancos, até o coroamento de sua obra, com os Quatro quartetos, onde de novo rimas se misturam a um discurso prosaico de tom elevado, em que metros se insinuam sob um pulso aparentemente irregular, ele viveu de sondar esses limites e de usar, como poucos, os recursos formais da poesia de língua inglesa.

E isso é complicado pro tradutor.

Primeiro porque essa relativa liberdade de forma sublinha o discurso, o “o quê”. A poesia de Eliot diz coisas, e usa tons específicos, dialetos, sotaques. Perder isso tudo em nome da rima e do metro é amortecer sua voz. Mas a poesia de Eliot também diz certas coisas graças a seu jogo de rimas e metros. E perder isso tudo em nome da fala clara é matar seu som.

Em segundo lugar, isso é difícil pura e simplesmente porque as regras são menos claras. Se te dão um soneto decassilábico de esquema ABBAABBACDCDCD, ora, pode ser trabalhoso, mas o gabarito de análise do original e da tradução é claro. Se no entanto você tem que deduzir o sistema e a forma, tem que deduzir SE existe mesmo forma ou estrutura relevante num dado poema, a coisa fica bem mais tensa.

Some-se aquele “primeiro” a este “segundo”, e bem-vindos sejamos à maçaroca que anda sendo a cabeça deste tradutor nos últimos meses. Eu ando pensando metricamente, ando contando sílabas e “sublinhando” aliterações em tudo que ouço… Ando vendo e ouvindo Eliot por tudo.

E meio que é isso mesmo que os grandes poetas sempre fizeram…?

Hmmm…

Agora é só esperar que a tradução, que deve sair ainda este ano, cumpra ao menos este papel, e entregue aos leitores brasileiros um Eliot novo, mais poderoso e mais contagiante, que diga o que tem que dizer e o diga com estilo, da forma “certa”, com a “forma” certa.

Oxalá.

* * * * *
Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.

Fonte: http://www.blogdacompanhia.com.br/conteudos/visualizar/Em-traducao-arrima2
 
O meu poeta favorito.

OS HOMENS OCOS

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.

II

Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.

Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo

- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular

III

Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.

IV

Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos

Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio

Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.

V

Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada

Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino

Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa

Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o

Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.


(tradução: Ivan Junqueira)
 

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