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Autor da Semana Clarice Lispector

Bartleby

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Biografia​



Clarice Lispector
nasce em Tchelchenik, na Ucrânia, em 1920. Chega ao Brasil com os pais e as duas irmãs aos dois meses de idade, instalando-se em Recife. A infância é envolta em sérias dificuldades financeiras. A mãe morre quando ela conta 9 anos de idade. A família então se transfere para o Rio de Janeiro, onde Clarice começa a trabalhar como professora particular de português. A relação professor/aluno seria um dos temas preferidos e recorrentes em toda a sua obra - desde o primeiro romance: Perto do Coração Selvagem. Ela estuda Direito, por contingência. Em seguida, começa a trabalhar na Agência Nacional, como redatora. No jornalismo, conhece e se aproxima de escritores e jornalistas como Antônio Callado, Hélio Pelegrino, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Alberto Dines e Rubem Braga. Os passos seguintes são o jornal A Noite e o início do livro Perto do Coração Selvagem - segundo ela, um processo cercado pela angústia. O romance a persegue. As idéias surgem a qualquer hora, em qualquer lugar. Nasce aí uma das características do seu método de escrita - anotar as idéias a qualquer hora, em qualquer pedaço de papel.

Em 43, conhece e casa-se com Maury Gurgel Valente, futuro diplomata. O casamento dura 15 anos. Dele nascem Pedro e Paulo. Separam-se em 1959. Clarice alega que o fato de cumprir o seu papel como mulher de diplomata sempre a enjoou muito. Cumpria a obrigação. Nada além.

Em 1944, ela publica Perto do Coração Selvagem. O romance desnorteia a crítica literária. Há os que pretendem não compreender o romance, os que procuram influências - de Virgínia Wolf e James Joyce, quando ela nem os tinha lido - e ainda os que invocam o temperamento feminino. Perto do Coração Selvagem recebe o prêmio da Fundação Graça Aranha. Nas palavras de Lauro Escorel, as características do romance revelam uma "personalidade de romancista verdadeiramente excepcional, pelos seus recursos técnicos e pela força da sua natureza inteligente e sensível". Já no primeiro livro, identifica-se o estilo muito pessoal da escritora. Nas páginas, Clarice explora pela primeira vez a solidão e a incomunicabilidade humana, através de uma prosa inquieta, próxima da poesia em determinados momentos.

Conclui O Lustre, em Nápoles, livro iniciado no Brasil e que seria publicado em 1946. Virgínia, a personagem principal de O Lustre, tem a história narrada desde a infância e também aparece sob o signo do mal, tal como Joana, personagem do primeiro romance. Em O Lustre, Virgínia mantém um relacionamento incestuoso com o irmão, Daniel, com quem faz reuniões secretas em que experimentam verdades, na condição de iniciados especiais. Nessa época, Clarice Lispector se corresponde com Lúcio Cardoso, que não gosta do título do livro: acha-o "mansfieldiano" e um pouco pobre para pessoa tão rica como Clarice.

Quando O Lustre é lançado, Clarice está no Brasil, onde passa um mês. De volta à Europa, transfere-se para a Suiça, "um cemitério de sensações", segundo a escritora. Durante três anos, passa por dificuldades em relação à escrita e à vida pessoal. Em 46, tenta iniciar A Cidade Sitiada, livro que sairia em 49. Vendo-se impossibilitada de escrever, coleciona frases de Kafka, referentes a preguiça, impaciência e inspiração. A Cidade Sitiada acaba sendo escrito na Suíça. Na crônica "Lembrança de uma fonte, de uma cidade", Clarice afirma que, em Berna, sua vida foi salva por causa do nascimento do filho Pedro e por ter escrito um dos livros "menos gostados". Terminado o último capítulo, dá à luz. Nasce então um complemento ao método de trabalho. Ela escreve com a máquina no colo, para cuidar do filho.

Em 1950, na Inglaterra, Clarice inicia o esboço do que viria a ser A Maçã no Escuro, livro publicado em 61. Em fevereiro de 53, nasce Paulo. Ela continua a escrever A Maçã no Escuro, em meio a conflitos domésticos e interiores. Mãe, Clarice Lispector divide seu tempo entre os filhos, A Maçã no Escuro, os contos de Laços de Família e a literatura infantil. O primeiro livro para crianças seria O Mistério do Coelhinho Pensante, uma exigência do filho Paulo. A obra ganharia o prêmio Calunga, em 67, da Campanha Nacional da Criança. Ela ainda escreveria três livros infantis: A Mulher que Matou os Peixes, A Vida Íntima de Laura e Quase de Verdade. A década de 60 principia com a publicação do livro de contos Laços de Família. Seguir-se-iam as publicações de A Maçã no Escuro, em 61, livro que recebeu o Prêmio Carmen Dolores Barbosa e A Legião Estrangeira, em 62.

Publica A Paixão Segundo G.H., em 1964. G.H., uma escultora de classe alta, que mora num apartamento de cobertura num edifício do Rio, resolve arrumar o quarto de empregada, cômodo que supõe, seja o mais sujo da casa, o que não é verdade. O quarto é claro e límpido. Entre várias experiências desmistificatórias, a crucial: abre a porta do guarda-roupa e se vê diante de uma barata, desencadeando uma sucessão de questionamentos e descobertas. Embora afirme que o livro não tem nada de experiência pessoal, admite que a obra fugira do seu controle...

Em setembro de 67, acontece o acidente que deixa marcas no corpo e na alma da escritora - um incêndio no quarto que ela tenta apagar com as mãos. Fica gravemente ferida, passa 3 dias entre a vida e a morte. Três dias definidos por ela como "estar no inferno."

Em 69, publica o romance Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres. Em 71, a coletânea de contos Felicidade Clandestina.

Os últimos anos de vida são de intensa produção: A Imitação da Rosa (contos) e Água Viva (ficção), em 1973; A Via Crucis do Corpo (contos) e Onde Estivestes de Noite, também contos, em 74. Visão do Esplendor (crônicas), em 75. Nesse ano, é convidada a participar, em Bogotá, do Congresso Mundial de Bruxaria. Sua participação limita-se à leitura do conto O Ovo e a Galinha. No ano seguinte, Clarice Lispector recebe o 1° prêmio do X Concurso Literário Nacional, pelo conjunto da obra.

Em 77, concede entrevista à TV Cultura, com o compromisso de só ser transmitida após a sua morte. Ela antecipa a publicação de um novo livro, que viria a se chamar A Hora da Estrela, adaptado para o cinema nos anos 80 por Suzana Amaral.

Clarice morre, no Rio, no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu 57° aniversário. Queria ser enterrada no Cemitério São João Batista, mas era judia. O enterro aconteceu no Cemitério Israelita do Caju. Postumamente, foram publicados Um Sopro de Vida, Para Não Esquecer e A Bela e a Fera.



CLARICE POR CLARICE​



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A descoberta do amor

“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.

Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.

Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”


Temperamento impulsivo
“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.

Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”

Lúcida em excesso

“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”


Ideal de vida
“Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser. O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadeira chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la. [...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima. É pouco, é muito pouco.”


Escritora, sim; intelectual, não
“Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade.

[...] Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros ‘uma profissão’, nem uma ‘carreira’. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora?

O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.”

A síntese perfeita
“Sou tão misteriosa que não me entendo.”

A certeza do divino
“Através de meus graves erros — que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles — é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.”

Viver e escrever
“Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranqüila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.”

“Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura. O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através da literatura que poderá talvez se manifestar.”

“Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável.”


A importância da maternidade
“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”

Viver plenamente
“Eu disse a uma amiga:
— A vida sempre super exigiu de mim.
Ela disse:
— Mas lembre-se de que você também superexige da vida. Sim.”


Um vislumbre do fim
"Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”
- Textos extraídos do livro "Aprendendo a viver", de Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004.



Sobre Clarice​



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“Ao mesmo tempo que ousava desvelar as profundezas de sua alma em seus escritos, Clarice Lispector costumava evitar declarações excessivamente íntimas nas entrevistas que concedia, tendo afirmado mais de uma vez que jamais escreveria uma autobiografia. Contudo, nas crônicas que publicou no Jornal do Brasil entre 1967 e 1973, deixou escapar de tempos em tempos confissões que, devidamente pinçadas, permitem compor um auto-retrato bastante acurado, ainda que parcial. Isto porque Clarice por inteiro só os verdadeiramente íntimos conheceram e, ainda assim, com detalhes ciosamente protegidos por zonas de sombra. A verdade é que a escritora, que reconhecia com espanto ser um mistério para si mesma, continuará sendo um mistério para seus admiradores, ainda que os textos confessionais aqui coligidos possibilitem reveladores vislumbres de sua densa personalidade.”

- Pedro Karp Vasquez.


“Ela não veio para esclarecer o mistério, veio para reafirmá-lo.”
- Ester Schwartz.


“Clarice Lispector: Essa mulher, nossa contemporânea, brasileira (...) não são livros o que ela nos dá, mas o viver salvo pelos livros, narrativas, construções que nos fazem recuar. E então entramos, por sua escrita-janela, na beleza assustadora de aprender a ler: e passamos, através do corpo, para o outro lado do eu. Amar a verdade do que é vivo, aquilo que parece ingrato aos olhos narcisos, (...) amar a origem, interessar-se pessoalmente pelo impessoal, pelo animal, pela coisa.”
- Hélène Cixous, in Entre l’Écriture.


“Onde estivestes de noite
que de manhã regressais
com o ultra-mundo nas veias
entre flores abissais?
Estivemos no mais longe
que a letra pode alcançar:
lendo o livro de Clarice,
mistério e chave no ar.”
- Carlos Drummond de Andrade.


"Em toda obra dessa grande escritora alguma coisa íntima está sempre queimando: suas luzes nos chegam variadas e exatas, mas são luzes de um incêndio que está sendo continuamente elaborado por trás de sua contenção. Esse fogo é o segredo íntimo e derradeiro de Clarice. É o seu segredo de mulher e de escritora."
- Lúcio Cardoso.


"Ela se deixava conduzir por uma espécie de compulsiva intuição. Era o seu tanto adivinha. Ninguém passa por ela impune. Ela liga e religa o mistério da vida e o religioso silêncio da morte. Clarice é uma aventura espiritual."
- Otto Lara Resende.



Obras



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Romance

Perto do Coração Selvagem, 1944
O lustre
, 1946
Essa resenha eu tinha escrito ano passado, quando li pela primeira vez(esse ano eu reli :D), e postei no blog do meia, então acho que está decente :timido:
Em “O lustre”, segundo romance de Clarice Lispector, nos é apresentado uma obra de extrema beleza. Não há, como em outros livros da autora, uma estrutura convencional. Parte-se daí o fato de que o enredo não possui definição clara – o que a escritora propõe com o texto é uma experiência de imersão no inconsciente, no ser dos personagens.

O romance é narrado em terceira pessoa, sendo o narrador onisciente. Durante todo o livro o foco prevalece sob a perspectiva de Virgínia, a protagonista. Acompanhamos seu amadurecimento, desde sua vida infantil na granja onde nasceu, até firmar-se, no presente da narrativa, na solidão da cidade. Essa apresentação se dá, porém, pela descrição do que cerca Virgínia, o que a influencia – tanto objetos, a exemplo do lustre do título, como pessoas próximas a ela, seu irmão que ela amava e seguia como a um líder etc.

Como dito, a falta de enredo é complementada pela percepção das personagens sobre o mundo em volta, suas sensações – o que confere ao livro sua fluidez característica, dando a noção de que os momentos descritos, sempre presenciados pelo interior de determinada personagem, estão carregados de certa força sufocante, momentos de iluminação, a existência explorada nos íntimos caminhos da memória – pois o que rege as páginas do romance é essa explosão de vida tão bem observada por Clarice.

O estilo de linguagem usado pela escritora é em si muito interessante – o texto flui, evoluindo gradualmente em complexidade, sem um ponto de descanso durante a narrativa, incansavelmente transmitindo pensamentos, revelações, relações intrínsecas. Assim, é notável a passagem do jantar em que Virgínia comparece, onde, ausente de tudo em volta, acha em si motivos de júbilo e prazer, como ao experimentar uma taça de licor de anis, sentindo o reconforto em si por degustar o sabor da bebida.

“Era licor de anis. O líquido grosso como algo morno [...] Ainda o mesmo gosto prendendo-se à língua, à garganta como uma mancha, aquele gosto triste de incenso, alguém engolindo um pouco de enterro e de oração.”

É, portanto, essa força de percepção interior, a fluidez da linguagem, a sucessão de experiências íntimas, que torna o livro tão encantador, envolvendo-nos, mesclando sua força a cada olhar, respiração, cada avanço que damos – o que retorna nossa memória à luz transbordante d’O lustre.

A Cidade Sitiada, 1949
A Maçã no Escuro, 1961
A Paixão segundo G.H, 1964
Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres, 1969
Água Viva, 1973
Um Sopro de Vida – Pulsações, 1978 [Publicação Póstuma]


Novela
A hora da estrela, 1977

Conto

Alguns contos, 1952.
Laços de família, 1960.
A legião estrangeira, 1964.
Felicidade clandestina, 1971.
A imitação da rosa, 1973.
A via crucis do corpo, 1974.
Onde estivestes de noite, 1974.
A bela e a fera, 1979 [Publicação Póstuma]

Correspondência
Cartas perto do coração. (Org.). SABINO, Fernando., 2001.
Correspondência - Clarice Lispector. (Org.). FERREIRA, Teresa Cristina M., 2002.


Crônica
Visão do esplendor, 1975.
Para não esquecer, 1978 [Publicação Póstuma]
A descoberta do mundo, 1984 [Publicação Póstuma]
Entrevista
De corpo inteiro, 1975.
A última entrevista de Clarice Lispector. In: Shalom. São Paulo, ano 27, 1992.

Literatura infantil
O mistério do coelho pensante, 1967 - Uma Estória Policial para Crianças. [Escrito originalmente em inglês e traduzido por ela mesma]
A mulher que matou os peixes, 1968.
A vida íntima de Laura, 1974.
Quase de verdade, 1978 [Publicação Póstuma
Como nasceram as estrelas.[Publicação Póstuma], 1987.




Olha, quem me conhece sabe que tenho uma memória muito fraquinha, não li tudo ainda da autora e faz tempo desde que li algumas de suas obras principais. E, à exceção de O Lustre, não anotei nenhuma impressão quando as li, então prometo que quando ler e/ou reler mais algo dela eu edito alguma impressão aqui, ok :timido:?
 
Última edição:
Gabriel,

Você poderia falar um pouco mais sobre a obra A hora da estrela. Fiquei interessado ao assistir o filme homônimo.
 
Não vi o filme ainda, mas acho que a personagem Macabéia deve ser muito bem mostrada (ouvi falar bem da atuação da moça que interpretou a Maca) como uma mulher apática e que nada faz para tomar as rédeas de sua vida. Mas o bacana do livro é o modo como o narrador, Rodrigo S.M., começa a contar a história: antes de nos apresentar à personagem, vemos todo a sua angústia na sua luta com as palavras, de como é difícil a arte de escrever... Assim, sinceramente, faz tempo que li o livro e preciso relê-lo urgente, então, é bom tbm que vc dê uma olhada no que o pessoal do antigo meia disse sobre a obra ;)
 
Gabriel,

Você poderia falar um pouco mais sobre a obra A hora da estrela. Fiquei interessado ao assistir o filme homônimo.

Eu acho o livro muito melhor que o filme, Spartaco. Exatamente porque no filme cortaram o Rodrigo S. M, um dos personagens mais cínicos da literatura brasileira.

Pelo que sei, Clarice escreveu o livro como resposta aos críticos que diziam que a obra dela não tratava do social, nem do político (na época da Ditadura). Daí ela inventou esse cara de pau que é o Rodrigo S. M. um "intelectual" que se sente obrigado a tratar do social, mas não sabe como. Para isso ele inventa essa personagem Nordestina retirante pobre, a Macabéa, ao contrário dele que é retirante Nordestino, mas de classe média/alta. Ele não sabe nada sobre quem são os retirantes na realidade, mas dá para a personagem todo tipo de qualidade negativa, como se fosse a visão que o intelectual brasileiro tem do povo (vive uma vida sem sentido, meio que de gado, meio sem saber porque, escutando rádio (hoje em dia seria tevê), comendo porcaria e bebendo Coca-Cola). Ou seja, Clarice discute a (im)possibilidade da representação daquilo que não se conhece muito bem, ao mesmo tempo que ironiza seus críticos.

De vez em quando releio uns trechos do livro e me rio muito do cinismo do Rodrigo. Ele é engraçado de um jeito horrível. Sem ele, o filme toma a Macabéa como se fosse verdade e fica bem insosso por causa disso.
 
Última edição:
Clarice é Clarice. No âmbito da poesia, lembro-me de um poema lindo que o Gullar escreveu sobre a morte dela:

Enquanto te enterravam no cemitério judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós

Recomendaria também ouvirem o Gullar recitando o poema, já que ele recita maravilhosamente bem.

O Drummond também tem um poema sobre a Clarice, mas não acho ele tão intenso quanto esse do Gullar... Talvez seja porque o Gullar conseguiu chegar ao sumo, à essência. O poema do Gulla rdá essa impressão de que é pequeno, de que acaba do nada, mas não é bem porque o poema é assim: é porque Clarice Lispector acabou de repente, deixando na gente essa impressão, esse clarão de olhar soterrado ainda.

De todo modo, o poema do Drummond pode ser encontrado aqui. Gosto dessas passagens:

Clarice,
veio de um mistério, partiu para outro.

Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele.

[...]

O mais puro retrato de Clarice
só se pode encontrá-lo atrás da nuvem
que o avião cortou, não se percebe mais.

De Clarice guardamos gestos. Gestos,
tentativas de Clarice sair de Clarice
para ser igual a nós todos
em cortesia, cuidados, providências.
Clarice não saiu, mesmo sorrindo.

[...]

Levitando acima do abismo Clarice riscava
um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.

Fascinava-nos, apenas.
Deixamos para compreendê-la mais tarde.
Mais tarde, um dia… saberemos amar Clarice.
 
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