Melhor coisa do filme: o nome do Alan Moore não aparece nos créditos.
O grande problema de V de Vingança não é o que ele é, mas o que poderia ter sido. Ao invés de ser uma revolução anarquista sem sentido, V de Vingança é mais pura manifestação política-subversiva, se enchendo de argumentos libertários que vão enchendo as páginas até culminarem no fim da trama pessoal do personagem para tornar-se algo maior: uma revolução, o grito de um país oprimido, etc.
Eu discordo que V seja uma história difícil de se traduzir para o cinema. Mesmo tendo que, ocasionalmente, cortar certas linhas narrativas, várias delas podem ser abandonadas pelo bem maior (TAMO JUNTO, DUMBLEDORE!). O grande problema aqui não é a dificuldade intelectual da história, mas a maluquice em busca de um blockbuster com conteúdo [e é exatamente por esse ser o local mirado que ele falha brilhantemente] quando isso é impedir que o povo pense por si só e, ironicamente, totalmente contra tudo que o V prega.
Os irmãos Wachowsky estavam divinamente inspirados ao fazer as mudanças, tão interessados em tornar o trabalho do Alan Moore mais completo e inteligente que simplesmente não perceberam como mudanças mínimas destruiriam parte do clima e um subtexto muito mais completo.
A tentativa de levar a história para a atualidade tem seus problemas, talvez porque a mídia dominante escolhida tenha sido a errada: o mais próximo do rádio dos novos tempos é a internet e não a TV. A morte do Prothero que era antes uma desestruturação do governo vigente se tornou apenas um mero incômodo já que Prothero era um Homem e não a Voz do Destino - o controle feito por ele se baseia exatamente em sua falta de humanidade e, consequentemente, falta de falhas: a Voz do rádio não é de um homem, mas a de um Computador infalível que busca o melhor para seu povo; da mesma forma, as palavras lidas em um computador podem ter o mesmo resultado, mas a imagem de um homem não.
Da mesma forma, fazer com que a Evey trabalhe para o governo faz com que o filme perca grande parte do clima da história: Evey saía a noite para visitar seu chefe que é um homossexual, mantendo as aparências e não para se prostituir e ganhar a vida. O conceito mais básico de V de Vingança, os problemas pelos quais ele luta por liberdade se desfazem no filme. A HQ era totalmente mergulhada no sentimento dos início dos anos 80 e o presságio da década que ficaria conhecida como "a década perdida". Os anos 80 foram escuros e tenebrosos, tempos de mudança e tempos em que quase tudo acabou sendo estranhamente cruel e sombrio [ironicamente, foi o início do cinema pipoca e fim da dominância do cinema-arte, sendo que os filmes que se destacam hoje são assustadores e estranhos - mesmo os mais simplistas deles, como Os Goonies, são consideravelmente perigosos em sua inocência] e enchê-los de uma ditadura que era real no Brasil e iminente na Inglaterra fazia um grande sentido.
No filme, por sua vez, tudo me parece liberto demais. O povo não é tão oprimido, tão forçado aos extremos [novamente, algo perdido ao mudar o background da Evey] - é simplesmente absurdo um filme como O Conde de Monte Cristo ser liberado para passar na TV quando ele é tão parelelo aos ideais de "vença o sistema por meio da violência" que o V prega, mas apenas se encontra em uma situação pouco agradável, ao invés de estarem no meio do maldito inferno na terra. Mesmo sendo citados pequenos momentos que dão a entender que coisas como músicas podem ser proibidas, elas não parecem ser proibidas.
A cena do exército de V's marchantes, por mais que seja simbolicamente justificada, ainda é um exagero. Um exagero quase errado, aliás. Ao vestir as roupas de V, o povo torna-se um exército sem face e, assim, perde sua finalidade - o povo deveria ser vozes e não números; ao perder sua característica de povo, as mortes são apenas mais uma na batalha e não a destruição de uma vida.
A única máscara aceitável é a do V, já que ela serve de contra-ponto ao domínio cego da Voz do Destino. V nasceu para ser um mártir. Tudo na concepção do personagem é desumanizado [ele não tem expressão; ele pode ser negro, judeu, homossexual; ele provavelmente é deformado por queimaduras e assim por diante] fazendo com que ele seja apenas uma ideia e - assim como a Voz do Destino - mesmo que o homem por trás da máscara morra, outros possam seguir com seu trabalho [no caso, a Evey]. Dessa forma, V não é uma pessoa, algum tipo de herói humano, mas o despositivo que explode o povo e o faz clamar por sua liberdade, seus direitos ou o que for.
Ironicamente, a única pessoa que não veste a máscara é aquela que deveria vestir - a Evey libera o trem e causa a explosão, mas não é mais o símbolo que faz com que a revolução se inicie. V se banaliza e se torna o povo, mas... sinceramente, não existe problema nenhum em nada disso. A cena consegue se encaixar no contexto e no filme de uma forma que eu definitivamente não esperaria, sendo até poética em sua própria forma.
Finch sofreu mudanças desagradáveis também, passando longe da obsessão louca da HQ. No filme, V é tão procurado pelo governo que Finch não parece estar perdendo a cabeça e levando aos extremos a sua busca - especialmente por ele não usar drogas aqui, que era um toque interessante para a áurea Punk da HQ, o que o tornava decadente e assustador em seus motivos. Concordando ou não com a visão de V, ele era seu foco, sua Moby Dick, seu Santo Graal - e tirar a morte de V de suas mãos foi tornar o personagem quase vazio dentro da história.
E agora, V. O grande cara. A máscara não foi, nem de longe, o problema que tinha lido que foi. Mesmo sendo levemente angustiante, não é mais do que a impassividade de V na HQ, onde ele também mata homens com aquele sorriso e se mantém sorrindo nos durante as mais estranhas situações. Ele perdeu muito sua existência como um Super-Herói [como quando matava os homens do metrô com os dedos ou como criou napalm com produtos de jardinagem] e ganhou uma existência humana que destrói muito do que o personagem realmente é. O close na libertação dele com o rosto sendo dilacerado, o momento em que ele tira a máscara e é quase possível ver o rosto queimado e até mesmo o momento em que suas mãos são vistas sem luvas são, no mínimo, inapropriados.
Suas palavras também se tornaram exageradas e foram perdidas. O grande discurso que ele fazia à liberdade se foi em duas frases, assim como o último pedido que ele faz a Evey de se tornar um mártir desconhecido
E eu ignorarei totalmente o romance imbecil entre V e Evey. E eu nem sinto muito.
Anyway, o assassinato de Delia Surridge ainda é incrivelmente poderoso; a história da Valerie é perfeita e o momento da libertação da Evey ficou incrivelmente foda. Eu nem tinha reperado na dualidade fogo-água como forma de marcar a mudança e a aproximar os personagens, embora o V tentar proteger a Evey foi quase contraditório - e ela deveria ter ficado nua, seria ainda mais correto ao que a cena se propõe.
Falemos mais ou menos tecnicamente:
O filme não foi dirigido. A direção é tão banal, tão nula e vazia em sua existência que eu não sei nem o porquê de se ter um diretor no filme. Totalmente sem imaginação e chata, sem tentar fazer absolutamente nada para manter o filme tecnicamente interessante.
O sotaque da Natalie Portman é, simplesmente, inadequado. Alguns momentos ela parece estar se esforçando tanto para falar de um jeito britâncio que se esquece de atuar. Ridículo.
A cena em que V mata os comparsas de Creedy foi assustadoramente bela, mesmo sendo criado no efeito bullet-time. O sangue voando foi tão incrivelmente lindo que tornou o exagero de Kill Bill quase patético - foi exagerado com classe e isso é foda.
Só Deus sabe o porquê de mudarem a introdução para um voice over estúpido que apresenta o Guy Fawkes.
E, btw, espero que todo mundo tenha entendido a constante piada do Creedy falando Bullocks porque ela foi o detalhe mais divertido da coisa toda. [Pra quem não pescou: don't mind the bullocks, here are the sex pistols].
Obs.: comentários feitos por um amigo, com alguns ajustes meus.