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Autor da Semana Fernando Sabino

Cantona

Tudo é História
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FERNANDO Tavares SABINO
(12.10.1923 - 11.10.2004)


Não sou o Fitzgerald e nem o Sabino é o Benjamin Button, mas vamos começar de trás pra diante.

Fernando Sabino faleceu em 2004, prestes a completar 81 anos. Viveu a última década e meia um tanto recluso, longe dos holofotes, recusando a maior parte dos convites para eventos literários e se esquivando da imprensa.

O retiro deliberado, segundo Arnaldo Bloch, deu-se principalmente pelos desdobramentos da novela Zélia, uma paixão (1991) - "biografia romanceada" da ministra que, juntamente com o presidente Fernando Collor de Mello, confiscou a poupança nacional. A obra, concluída em pouco mais de um mês, fruto de duas entrevistas, reportagens e diários da ex-ministra, foi incentivada pela então esposa de Sabino, Lygia Marina (pelas fotos da juventude, pedindo com jeitinho, Deus do céu!, qualquer sujeito, por mais ajuizado, perderia-se e, à máquina, escreveria elogiosamente até sobre o Sarney, se fosse o desejo da criatura). Ao vê-lo afirmar que a ministra era a personagem pública mais fascinante desde JK, a mulher costurou os encontros e o livro nasceu:

(...) Zélia, uma paixão foi apresentado à nação no dia 17 de outubro de 1991, numa entrevista para cinquenta jornalistas na seda da Editora Record, no Rio. Metida num tailleur de seda pura azul-claro, sapatos rendados de camurça escura, e portando seu inseparável colar de pérolas, Zélia degustava os elogios com que o ilustre amigo Fernando Sabino, abria a coletiva:
" Não acredito no Deus Collor, mas sou devoto de Nossa Senhora Zélia Maria Cardoso de Mello. Depois desse livro, ela vai continuar a viver e eu vou me recolher a minha insignificância."
Fernando parecia tão deslumbrado com Zélia quanto Zélia estava deslumbrada consigo própria. Messiânica, ela brandia para os microfones e câmeras:
"Minha geração tinha um sonho: mudar o mundo. Foi isto que tentei fazer o governo, assim como o Collor, que é da minha geração. Não me sinto culpada de nada."

Com a grande capacidade narrativa de Fernando, as minúcias do caso amoroso da economista com Bernardo Cabral foram exploradas. Trechos da obra foram dramatizados no Fantástico, tendo Paulo José e Alexia Dechamps representando os protagonistas. Com a exposição televisiva, a novela sumia das prateleiras ao mesmo tempo que a estória ganhava as ruas e encontrava a boca do povo. Questões políticas e econômicas lentamente foram cedendo lugar a relação do casal. Até a esquerda embarcou na onda, com um José Genuíno, então líder petista, proclamando que sua "admiração por ela cresceu". Ora, memória é um palco de disputas político-econômicas, e o que é alçado à lembrança, ou relegado ao esquecimento, vai surgir como resultado desses embates. Nesse sentido, ao desviar o foco dos acontecimentos, Sabino prestou um "desserviço" à nação. Correntes oposicionistas, que não caíram na ladainha amorosa, bateram. E bateram firme, tanto em Zélia quanto em Fernando. Nana Caymmi dizia que o "bésame mucho acabou com a economia do país". E os editais da grande imprensa não pouparam o autor, vindo o fogo de amigos e desafetos:

Sua aposentadoria estará garantida graças a este novelão brega. De resto, não há grande novidade: todo mundo sabe que Fernando Sabino já desistiu, há muito, de ser escritor.

Sob a capa da ficção, autor e personagem lavam as mãos de toda a responsabilidade

Com tamanha repercussão, a tristeza o abateu profundamente. Bloch conta-nos de confidências de um Sabino cabisbaixo. E nos revela mágoas, como a dirigida ao amigo Millôr, a respeito de uma charge onde o mineiro parte carregando uma mala repleta de dinheiro. Não se defendeu de nada, tudo aguentou calado. Até que em 1999, o desembargador Alírio Cavallieri, em discurso na Academia Brasileira de Letras, agradeceu ao escritor pela doação dos U$ 50 mil recebidos em direitos autorias por Zélia, uma paixão à instituição de menores.

Nesse período "turbulento", como já citado, isolou-se. E teve pungente a saudade dos amigos da juventude e vida inteira, Otto Lara Resende, Paulo Mendes de Campos e Hélio Pellegrino, todos falecidos. A dor da ausência é evidente no depoimento de Paulo Rocco:

- Fernando, para com esse negócio de não atender jornalista, de não ver os amigos. Você tem que sair, botar a cara pra fora.
- Ah, é?
- Chega dessa bobagem!
- É este o conselho que você me dá?
- É isso mesmo, está na hora de acabar com essa mania.
- Então vou seguir o seu conselho.
- Pois faz muito bem.
- Pensando bem, é uma ótima ideia a sua.
- É assim que se fala, rapaz.
- Vou apanhar meu paletó agora mesmo, chamar um táxi e seguir direto para o cemitério. Fazer uma visitinha ao Otto, ao Hélio, ao Paulo.


Some-se as causas da reclusão, o fim do casamento com Lygia. Vinte e três anos mais nova que o escritor, a mulher era um estouro. Dona daquele corpo bom de se enlaçar, a terceira esposa de Fernando Sabino foi paixão de Rubem Braga, do tímido Braga, que disfarçava seu afeto com ares de cuidado paternal. Despertou igualmente o encanto de outro sujeito, esse não dado à timidez e portanto perigoso, chamado Antônio Carlos Jobim. Dizem as más línguas - aquelas que a gente gosta de ouvir - que certa tarde tocou o telefone do escritor. Do outro lado da linha, uma galante Tom procurava por Lygia, pois precisava falar-lhe. "Por acaso o amigo não tem o número do telefone onde ela se encontra". O amigo tinha, mas de ciúme e despeito passou outro qualquer. Jobim se vingaria posteriormente, escrevendo a bela música Ligia (... e quando eu lhe telefonei, desliguei foi engano...).

Terminado o relacionamento, Sabino, nas reedições de seus livros, a retira igualmente de sua obra. A dedicatória que abria O Grande Mentecapto (À mui nobre, distinta e formosa senhora dos meus afetos, Dona Lygia Marina de Sá Leitão Pires de Moraes, de cujos encantos meu coração é cativo e a cujo estímulo deve esta obra o ter chegado a seu termo, dedico e consagro), a presença da amada em crônicas e na autobiografia O tabuleiro de damas (Lygia Marina acaba de chegar - quando ela chega tudo se ilumina (...) Vivemos juntos há quase 15 anos. Espero que fiquemos juntos para sempre), tudo se perde nas edições pós-1993.

E se a mulher o incentivou na roubada que se tornou Zélia, uma paixão, à ela devemos, indiretamente, O Grande Mentecapto (1979). Numa arrumação qualquer, a boa Lygia encontrou as primeiras quarenta páginas das aventuras e desventuras de Geraldo Viramundo, escritas quando Fernando tinha lá seus vinte e poucos anos. Da insistência feminina nasceu a estória que colheu de Jorge Amado as seguintes palavras:

O povo brasileiro sofrido, batido, humilhado, mas sempre de pé, lutando, jamais vencido nem desesperado, ei-lo novamente o herói de nossa literatura. Neste livro ele se chama Geraldo Viramundo, o Grande Mentecapto, ou seja, o cordial, o generoso, o justo, o corajoso, o imbatível homem brasileiro.

Devo dizer que é o meu Sabino preferido. Geraldo Viramundo é um pouco de todos nós, de modo que a empatia é imediata. Suas andanças pelo interior mineiro e o clímax em BH, com a denúncia da miséria, a condenação do pobre por ser pobre, o campo de concentração nazista no qual a carência é eliminada pelo morte do carente, o ideal positivista de perfeição do corpo social, onde qualquer desvio de ordem justifica violações e violências, tudo narrado num tom picaresco, fazem do Grande Mentecapto, salvo as devidas proporções, o nosso Dom Quixote.

Foi ele, esse iluminado de olhos cintilantes e cabelos desgrenhados que um dia saltou dentro de mim e gritou basta! num momento em que meu ser civilizado, bem penteado, bem-vestido e ponderado dizia sim a uma injustiça. Foi ele quem amou a mulher e a colocou num pedestal e lhe ofertou uma flor. Foi ele quem sofreu quando jovem a emoção de um desencanto, e chorou quando menino a perda de um brinquedo, debatendo-se na camisa de força com que tolhiam o seu protesto. Este ser engasgado, contido, subjugado pela ordem iníqua dos racionais é o verdadeiro fulcro da minha verdadeira natureza, o cerne da minha condição de homem, herói e pobre-diabo, pária, negro, judeu, índio, cigano, santo, poeta, mendigo, débil mental, Viramundo! que um dia há de rebelar-se dentro de mim, enfim liberto, poderoso na sua fragilidade, terrível na pureza da sua loucura.

Mas o romance pelo qual Sabino será eternamente lembrado é O Encontro Marcado (1956). Segundo Humberto Werneck, "se todo romancista fizesse um romance da envergadura de O encontro marcado, o Brasil teria a maior literatura do mundo". Romance que traz as memórias do próprio autor, desde a sua infância em Minas (também relatadas em O menino no espelho(1982)), passando pelas descobertas da adolescência, os namoros, as competições de natação, o C. P. O. R., as primeiros passos literários, as amizades de toda vida com Hélio Pellegrino (Mauro), Otto e Paulo Mendes (ambos representados por Hugo), as "estudantadas" numa Belo Horizonte ainda província e ansiosa de modernidade, o casamento com Helena (Antônia) - filha do governador-, a ida para o Rio, a crise existencial, as traições, o divórcio. Considerado o "romance de uma geração", expressões como puxar angústia e não analisa não entraram para cotidiano da época.

Fernando Sabino foi essencialmente cronista. Possui vasta obra publicada, inclusive de correspondências, como as que manteve com Mario de Andrade (Cartas a um jovem escritor e suas respostas), com os amigos (Cartas na mesa) e com Clarice Lispector (Cartas perto do coração) [Lygia, sobre a proximidade de Sabino e Clarice: Aqueles dois jovens, literatos, labirínticos e em busca de seu universo mágico, ambos recém casados, estavam apaixonados. No final baixava sempre aquela culpa total: abraço para Heleninha, abraço para o Maury. Eu até disse ao Fernando: isso foi um caso de amor deslumbrante, mal resolvido. Ele perguntou se eu enlouquecera, e eu respondi: Fernando, se isto não é um caso de amor, não existe caso de amor"].

Aventurou-se, ao lado de Rubem Braga, no mercado editorial, fundando a Editora do Autor (1960) e a Editora Sabiá (1967), responsável pela primeira edição de Cem anos de solidão no Brasil. Andou também pelo cinema, com a produtora Bem-te-vi. Numa série de curta-metragens, trouxe breves perfis de grandes escritores, como Erico Verissimo, Jorge Amado, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, etc.

Fernando Sabino nasceu em Belo Horizonte, no dia das crianças, em 12.10.1923.

Quase 81 anos depois, deixou o epitáfio: Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino.

A biografia tradicional, bem como a bibliografia completa está aqui. Verônica Sabino dá um belo depoimento sobre o pai aqui. E o filho, Bernando Sabino, traz um documentário aqui.

Pra finalizar, o Roda Viva antológico. Suas posições políticas, a devolução do cartório de que era dono ao governo, literatura, jornalismo... Peguem um café e aproveitem o papo:


Referência bibliográfica:

Fernando Sabino, Arnaldo Bloch.
 
Última edição:
Fernando Sabino tinha crônicas diversas, divertidas e bem interessantes. "A mulher do vizinho", "O homem nu", "De cabeça pra baixo" estão entre as que mais curti.
 
Com sete anos de atraso, venho dizer que o Cantona (que Deus o tenha) fez um trabalho excepcional com este tópico de Autor da Semana, que eu li de cabo a rabo com grande deleite. Sabino era um grande homem e ainda maior escritor. Muito simpático, também. Não deixem de ver também o tópico que criei sobre sua opus magnumO Encontro Marcado.
 

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