"(...)Confesso que esta semana entrei a aborrecer semelhante interrogação. Não digo o número de vezes que a ouvi, na segunda-feira, para não parecer inverossímil. Na terça-feira, cuidei de lê-la impressa nas paredes, nas caras no chão, no céu e no mar. Todos a repetiam em torno de mim. Em casa, à tarde, foi a primeira cousa que me perguntaram. Jantei mal; tive um pesadelo; trezentas mil vozes bradaram do seio do infinito: — Que há de novo? Os ventos, as marés, a burra de Balaão, as locomotivas, as bocas de fogo, os profetas, todas as vozes celetes e terrestres formavam esse uníssono: — Que há de novo?
Quis vingar-me; mas onde há tal ação que nos vingue de uma cidade inteira? Não podendo queimá-la, adotei um processo delicado e amigo. Na quarta-feira, mal sai à rua, dei com um conhecido que me disse, depois dos dias costumados:
— Que há de novo?
— O terremoto.
— Que terremoto? Verdade é que esta noite ouvi grandes estrondos, tanto que supus seram as fortalezas todas juntas. Mas há de ser isso, um terremoto; as paredes da minha casa estremeceram; eu saltei da cama; estou ainda surdo... Houve algum desastre?
— Ruínas, senhor, e grandes ruínas.
— Não me diga isso! A Rua do Ouvidor, ao menos...
— A Rua do Ouvidor está intacta, e com ela a Gazeta de Notícias.
— Mas onde foi?
— Foi em Lisboa.
— Em Lisboa?
— No dia de hoje, 1 de novembro, há século e meio. Uma calamidade, senhor! A cidade inteira em ruínas. Imagine, por um instante, que não havia o Marquês de Pombal, — ainda não o era, — Sebastião José de Carvalho, um grande homem, que pôs ordem a tudo, enterrando os mortos, salvando os vivos, enforcando os ladrões, e restaurando a cidade. Fala-se da reconstrução de Chicago; eu creio que não lhe fica abaixo o caso de Lisboa, visto a diferença dos tempos, e a distância que vai de um povo a um homem. Grande homem, senhor! Uma calamidade! Uma terrível calamidade!
Meio embaraçado, o meu interlocutor seguiu caminho, a buscar notícias mais frescas. Peguei em mim e fui por aí fora distribuindo o terremoto a todas as curiosidades insaciávies. Tornei satisfeito a casa: tinha o dia ganho.(...)
(...) No sábado, notei que os perguntadores fugiam de mim, com receio, talvez, de ouvir a queda do império romano ou a conquista do Peru(...)"