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Notícias Elogio ao tradutor, por Leonardo Padura

Bruce Torres

Let's be alone together.
27/09/2014 02h00

Uma turnê de promoção de meu romance mais recente, "Herejes" (Hereges', em espanhol), me levou a várias cidades e livrarias da França, país onde, por sorte e tradição, ainda existem leitores.

E onde ainda sobrevivem, como espécies em perigo de extinção, os livreiros independentes, os de sempre, aqueles que são capazes de sugerir leituras de acordo com o gosto de seus clientes habituais, que eles quase nunca decepcionam.

Um fato significativo me aconteceu durante uma sessão de autógrafos no salão do livro de Besançon.

Uma senhora na casa dos 40 anos se deteve diante de meus romances e, em silêncio, os foi manuseando um por um, lendo o resumo na contracapa.

Parecia que meus livros de romancista cubano a interessavam, ou pelo menos despertavam sua curiosidade. Quando terminou de examinar os livros, a senhora me olhou e, como se eu fosse o culpado de algo terrível, disse para mim: "Eu leio muito, mas nunca traduções", e foi embora.

A rápida retirada da leitora que não lê traduções –suponho, por ela ser francesa, que leia apenas autores dessa língua– me impediu de lhe perguntar algo tão elementar como se, declarando-se grande leitora, nunca tinha lido a Bíblia, por exemplo, pois imagino que entre suas habilidades não deve estar incluído o domínio do aramaico e do grego antigo, idioma este que, se lhe fosse desconhecido, também a teria impedido de ler Sófocles e Eurípedes, Homero e Aristóteles.

Apenas se fosse poliglota excepcional a senhora poderia ter lido Dante, ter dominado o estilo intrincado de Shakespeare, ter lido Tolstói, Dostoiévski e todo o contingente russo do século 19, ou ainda, dando um grande salto no tempo, Saramago ou o sueco Mankell.

Como é sabido, a cultura é uma criação da civilização humana, e a literatura é uma de suas expressões mais abrangentes. Através dela sabemos –ou chegamos perto de saber– como fomos e como somos os homens em diferentes momentos da história e da geografia.

A cultura, então, não poderia prescindir de um personagem muitas vezes ignorado, desvalorizado e até vilipendiado, que é o tradutor: esse intermediário capaz de lançar pontes entre uma obra e seus leitores de outra língua.

Sem o trabalho dos tradutores, o conceito de cultura universal nem sequer existiria: seríamos apenas seres autofágicos, ignorantes da diversidade existente mais além de nossas fronteiras linguísticas ou geográficas. O mundo simplesmente não seria o que é.

Para meu alívio, poucos minutos após a passagem fundamentalista da leitora monolíngue chegou à mesa onde eu autografava livros um senhor de cerca de 80 anos que se movimentava em uma cadeira de rodas. Depois de me pedir uma dedicatória em "Herejes", ele me reconciliou com o mundo quando me disse, em francês límpido: "Fiquei encantado com seu romance El hombre que amaba a los perros'. E tenho que lhe dizer que o senhor tem tradutores formidáveis. Li o livro em espanhol e depois em francês e foi um prazer igual nas duas línguas." Graças aos tradutores!

Fonte: http://tools.folha.com.br/print?sit...dura/2014/09/1523500-elogio-ao-tradutor.shtml
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Até hoje passo raiva com gente da área de Letras que usa argumento semelhante ao da desditosa senhora francesa. E que dirá explicar a importância e as técnicas tradutórias para um leigo? Argh!
 
Eu só me viro bem com espanhol e inglês. E mesmo assim não faço questão muitas vezes de correr atrás dos livros na língua original. Tanto é assim que quase não tenho nada comprado em inglês, se comparado com o total de livros na minha estante. Daí entra outro fator também: compro muita coisa pensando na minha namorada, que não sabe titica de inglês, e que vai querer ler meus livros.

Tradutores merecem nosso louvor, sim; só uma cabecinha muito estreita para não reconhecer a sua importância na sociedade. Eu inclusive advogo para que conste o nome do tradutor sempre na capa, e não escondido em qualquer cantinho do livro. Um dia chegaremos lá, quem sabe?
 
Isso pra não contar os casos em que traduções mudam o rumo da literatura -- diretamente. Por exemplo, no caso do Rubaiyat, do Omar Khayyam, traduzido pelo Fitzgerald. Ou a importância que o Pound dava ao texto traduzido, e tanto que Os Cantos dão igual valor ao texto original do Homero quanto a traduções renascentistas -- ou a importância das traduções do próprio Pound de autores chineses e provençais para o desenvolvimento de sua obra mesma. Pra não dizer, claro, que o Pound colocava traduções entre as obras centrais do seu paideuma (isto é, a seleção de obras do passado que continuam vivas hoje em dia): um exemplo é a tradução do Golding das Metamorfoses do Ovídio.

Exemplos mais recentes são os que o poeta Ricardo Domeneck têm desenvolvido. Ele trata isso, em seu blog, ao abordar alguns tradutores brasileiros hoje (aqui) e ao tratar da importância dos tradutores estrangeiros (aqui). Afinal de contas, uma das características dos melhores poetas hoje em dia é o de que eles também são tradutores. E sim, isso é fundamental e isso muda muita coisa.
 
Talvez houvesse um tópico mais adequado, mas não encontrei, e acreditei que não houvesse necessidade de criar um novo, já que o assunto já foi tratado.

Então: contrariando o bom senso, me intrometi na discussão sobre tradutores, na postagem do Érico Assis, no Blog da Companhia. Evidentemente, em poucas respostas, a coisa descambou. Talvez os colegas aqui queiram dar suas opiniões a respeito.

A postagem do Érico:
Tradutor, escritor, palavrinhas, quadrinhos
27 abril 2015, 2:34 pm

Por Érico Assis



Esses dias o Caetano Galindo esteve por aqui dizendo que considera um livro que traduz como “um livro de Thomas Pynchon/Ali Smith/James Joyce/etc. escrito por Caetano Galindo”. Não foi a primeira vez que o Galindo falou nisso, nem ele é o primeiro a dizer que traduzir é escrever. Mas dizer esse tipo de coisa, ainda mais quando vem de um tradutor, provoca reações inflamadas. E provocou de novo: olha lá na seção de comentários: “Para mim, tradutor bom é tradutor que some no texto do escritor. Aquele que não fica nem subentendido, afinal, a função dele não é adaptar ou reescrever. Perdão, Galindo, mas acho que dizer que você escreveu um livro é prepotência, pois não o fez. Você traduziu.”

Para dizer que traduzir é escrever, não é necessário abrir nem um livrinho de teoria da tradução. É uma questão da Física. Se Éric Sentadeau escreveu “je t’aime” e eu traduzi por “eu te amo”, quem escreveu “eu te amo” não foi Sentadeau. Fui eu. A frase dele começa com “j”, a minha começa com “e”. A dele tem um apóstrofo, a minha não. Sentadeau nunca aprendeu uma palavrinha de português e seus dedos não formariam “eu te amo” no teclado nem por acaso. “Eu te amo” saiu do meu teclado.

Graça infinita, segundo a lombada do livro, é de David Foster Wallace. Muito embora Wallace nunca tenha escrito Graça infinita, e sim Infinite Jest. Quem leu ou está lendo ( \o ) Graça Infinita lê palavrinhas encadeadas no computador do Caetano Galindo, conforme a capacidade criativa de encadeamento de palavrinhas do Caetano Galindo e as referências do Caetano Galindo, sendo que uma destas referências — vamos dizer que neste caso foi a principal — é um livro escrito em inglês por David Foster Wallace chamado Infinite Jest.

Repito: é Física. Se você quiser entrar nas teorias arcanas da tradução, aí vai dar umas voltas por contratos de leitura, que a gente ficciona que existe um autor por trás da tradução, que as ideias são de outro, que só é tradução porque existe um texto de base e…

Digamos que você andava por aí lendo Vício inerente e contou para todo mundo que estava lendo Thomas Pynchon. Vocês foram vistos juntos no café, vocês dividiram a cama, você contou pras amigas que trocou altas ideias com o Thomas Pynchon. Desculpe, era ilusão. Se você leu Vício inerente e não Inherent Vice, você foi ao café, dividiu a cama e trocou altas ideias com sr. Caetano Waldrigues Galindo. Ele só estava usando uma capa de Thomas Pynchon.

No fim das contas, a conclusão das teorias arcanas é a mesma: tradução é escrever (no máximo dos máximos reescrever, que ainda é escrever). E não tente trocar o “escrever” por “criar”, “inventar”, “elaborar”, “estruturar” etc. querendo justificar uma função maior do escritor do texto de partida. Tradutor também cria, inventa, elabora, estrutura etc.

* * *
Aí parei pra pensar de novo na tradução de quadrinhos. O texto dos quadrinhos, grosso modo, é a articulação entre palavrinhas e figurinhas. Tradutores de quadrinhos geralmente só podem mexer nas palavrinhas. As figurinhas geralmente ficam intactas. Porque, né, ai do metido que quiser redesenhar o Moebius, o Paul Pope, o John Romita, o Katsuhiro Otomo.

Mas… e se não fosse assim? E se traduzir um quadrinho fosse mexer nas palavrinhas e nas figurinhas? E se os tradutores fossem desenhistas que se embasam em um quadrinho estrangeiro e refazem aquele quadrinho no seu traço, nas suas cores, no seu ritmo?

Teríamos quadrinhos do Mike Mignola traduzidos pelo Gabriel Bá. Do Frank Miller traduzidos pelo Diego Gerlach. O Rafael Grampá seria um tradutor especializado em Geof Darrow, quem sabe também em Frank Quitely. Akira Toriyama traduzido pelo Vitor Cafaggi. Crumb traduzido pelo Allan Sieber. Quantas retraduções do Eisner já teriam saído? Tiago Elcerdo traduzindo Christophe Blain. John Buscema por Danilo Beyruth. Novas traduções dos Peanuts no traço do Odyr.

Seriam, tipo, remakes? Será que ficariam como as dublagens? Timbre, entonação e ritmo de um James Spader ou de uma Judi Dench no timbre, entonação e ritmo de um ator carioca? Seriam traduções? Sim, seriam, pelo menos, traduções. Seriam boas traduções? Talvez sim, talvez não. Seriam novos quadrinhos? Seriam também.

E sim, seria uma ideia estapafúrdia, mas deixa eu me divertir com a ficção. Era só para chegar a esse ponto: pense que a tradução de prosa é uma história em quadrinhos redesenhada. Nada do que o autor original pensou para manchar a página aparece na tradução. As palavras são outras. Os parágrafos são outros. A contagem de páginas é outra. A capa, mesmo que traga o nome do autor original e que seja até aprovada por este, muitas vezes é outra. O livro traduzido é outro e foi escrito pelo tradutor.

Faz um tempo, terminei a tradução de uma HQ de Jules Feiffer. Feiffer é autor das palavrinhas e dos desenhos. Por um lado, não toquei (e provavelmente ninguém mais tocou) nos desenhos do Feiffer. Por outro, quem ler Mate minha mãe não vai ler uma palavra do que o Feiffer escreveu. Me sinto um pouco prepotente, de fato, como apontou o crítico do Galindo naquele comentário, mas o que você tem que entender ao ver meu crédito de tradutor é o seguinte: “uma HQ de Jules Feiffer com palavrinhas de Érico Assis.” Questão de física.

* * * * *
Érico Assis é jornalista, professor universitário e tradutor. Do selo Quadrinhos na Cia., ele já traduziu Retalhos e Habibi, de Craig Thompson, Umbigo sem fundo, de Dash Shaw, e os três volumes de Scott Pilgrim contra o mundo, de Bryan Lee O’Malley, entre outros. Ele contribui quinzenalmente para o blog com textos sobre histórias em quadrinhos.
SiteTwitterA Pilha
Fonte.

PS: para deixar registrada a vergonha: havia escrito "entrometi".
 
Última edição:
Li, sim. Mas o uso excessivo de gracejos e daquele tom de sinceridade calculada que ele adotou nos últimos tempos me dá nos nervos, e, por consequência, tudo o que ele escreve me parece errado, indigno, inválido. Tento não comentar o que ele escreve porque não ia conseguir evitar a trollagem.
 
Traduzir é re/transcriar, pura e simplesmente. O que o pessoal lê, de fato, não é o próprio autor em si, mas o autor que passou pelo filtro de um leitor (o tradutor) que tenta preservar ao máximo as possibilidades semânticas e estilo próprio original. Sério, eu não entendo qual a dificuldade de se entender isso. :tsc:

PS: Vai ver esse pessoal deu ouvidos ao papo furado daquela vlogueira amada por todos nós aqui.
 
Última edição:
A princípio fiquei especulando se poderia haver exagero intencional no texto ou em que sentido algum exagero poderia ocorrer se num sentido neutro de ilusão proposital ou negativo de mentira. Talvez até exagero involuntário.

Ou se a minha dificuldade para interpretar rapidamente não fossem só culpa minha mas por problemas de redação decorrentes da inabilidade em se transmitir com clareza o conteúdo do texto.

Entretanto, se a prioridade for analisar o assunto do trabalho de tradução, aquilo que li até hoje é que é impossível um tradutor desaparecer em razão de o profissional ser obrigado a usar sinais e linguagens que nunca equivalem 100% aos originais. É como se disfarçar de amarelo numa floresta verde.

Realmente, preciso levar em conta que para qualquer trabalho humano (até nas atividades mecânicas) existe um mínimo de criatividade necessária (e não opcional como o mercado de trabalho tende a dizer) para permitir solucionar problemas freqüentes com boas idéias. É impossível divorciar as áreas criativas das áreas automáticas dentro do cérebro enquanto se trabalha, afinal o órgão é um só. Entretanto os profissionais tem como dever manter a originalidade sob controle, limitada apenas à quantidade mínima e indireta para não prejudicar a fidelidade do texto do autor.

Se por um lado o consumidor de material traduzido já tem que saber que vai abrir mão da melhor fonte possível (no livro é a obra do idioma original) por outro lado ele não deve ter dúvidas de que está com a segunda melhor fonte depois dela e que o tradutor deva informar sobre a distância que separa uma da outra por meio de notas. Quer dizer, até dentro do mesmo idioma, se houver uma equipe grande envolvida, vai haver perdas.

Porque se isso não ocorrer vão se criar leitores ingênuos que ficam iludidos com impressão de que já estão com o livro perfeito na mão ao invés de perceberem que estão separados do autor original por um mundo de diferença. E é justamente essa percepção que animaria o leitor a se aprofundar e se aproximar cada vez mais do que ele gosta. De que o leitor de uma tradução possa querer mais adiante aprender outro idioma e comprar o livro original.

E sem ter essas pontes (cuja responsabilidade de construção é tradutor) o leitor não evolui, ou pior, nem sequer se cria oportunidade pra ele despertar emoções. Se o tradutor está presente num trabalho mas desejou se tornar impossível de ser notado então como o leitor vai perceber o que perdeu e o que ganhou?

Lembro que recentemente o diretor Hideaki Anno falou que quem quisesse ver o melhor material do diretor Hayao Miyazaki teria que ver só os story boards. Porque as animações e filmes (Nausicaa, Viagem de Chihiro) já estavam alterados demais em relação as idéias do autor por causa das interferências de terceiros.
 
Traduzir é re/transcriar, pura e simplesmente. O que o pessoal lê, de fato, não é o próprio autor em si, mas o autor que passou pelo filtro de um leitor (o tradutor) que tenta preservar ao máximo as possibilidades semânticas e estilo próprio original. Sério, eu não entendo qual a dificuldade de se entender isso. :tsc:
ótimo Bruce. Deve ser um trabalho muito difícil traduzir alguns autores, me peguei pensando nisso agora que to lendo um livro do Faulkner e a forma como ele descrevia as coisas, acho que somente lendo em inglês é que conseguiríamos conhecer o autor de fato.
 
Traduzir é re/transcriar, pura e simplesmente. O que o pessoal lê, de fato, não é o próprio autor em si, mas o autor que passou pelo filtro de um leitor (o tradutor) que tenta preservar ao máximo as possibilidades semânticas e estilo próprio original. Sério, eu não entendo qual a dificuldade de se entender isso. :tsc:

PS: Vai ver esse pessoal deu ouvidos ao papo furado daquela vlogueira amada por todos nós aqui.

Acho que as opiniões convergem nesse sentido. A polêmica maior é por causa da declaração do Galindo, vacilantemente secundada pelo Érico: "um livro de tal pessoa, escrito por mim", e o que decorreu disso, como, por exemplo, a ideia de que, ao ler um livro traduzido, o leitor "bate um papo" com o tradutor e não com o autor. A picuinha acaba sendo com relação ao crédito do tradutor.
 
pegando a imagem do bate papo: eu imagino que é como se você estivesse no bar batendo um papo com o tradutor *e* o autor. você convidou mais uma pessoa para sua mesa, não é só você e o autor. o engraçado é que algumas pessoas aceitam como normal que se pague copyright de tradução, mas não entendem que a tradução é um texto único criado a partir de outro texto.
 
Complementando a imagem do bate-papo que a Anica mostrou, o tradutor é o intérprete nessa conversa de bar, que traduz para o ouvinte (= leitor) o que o autor disse da melhor forma que entende como possível.
 
Como em toda e qualquer profissão existem bons e maus profissionais.
Mas no geral eu prestigio e valorizo muito o trabalho dos tradutores tanto quanto aos dos dubladores no cinema (que no nosso país são profissionais tão massacrados e execrados por muita gente infelizmente).
Já teve vários livros que lendo no idioma original me agradaram bem menos que lendo a versão traduzida, então na maioria das vezes eu prestígio o trabalho desses profissionais.
 

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