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Autor da Semana James Joyce

Spartaco

Anton Bruckner - 200 anos do nascimento
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James Joyce
(2 February 1882 – 13 January 1941)
James Augustine Aloysius Joyce nasceu em 1882, em Dublin (Irlanda), de pais católicos. Em 1902, segue para Paris para estudar medicina, mas abandona o curso para dedicar-se ao ensino da língua inglesa e à literatura.

Com a morte da mãe, em 1903, retorna a Dublin. Exerce a crítica literária por um tempo; logo se muda para Zurique (Suíça) e, em seguida, para Trieste (parte do Império Austro-Húngaro, hoje Itália), onde dá aulas de inglês. Em 1906, vai para Roma, onde também trabalha como professor.

Em 1907, publica seu primeiro livro, Música de Câmara (poemas). A coletânea de contos Dublinenses sai em 1914, causando revolta nos círculos conservadores, por sua descrição sem sentimentalismo das pequenas e grandes misérias da vida na Irlanda.

Seu primeiro romance, o autobiográfico Retrato do Artista Quando Jovem aparece em 1916. Mas Joyce só alcança fama internacional em 1922, com a publicação de Ulisses, citado habitualmente como um dos maiores romances do século XX.

Cercado pela família e pequeno círculo de amigos, Joyce trabalha por 17 anos em seu último livro, Finnegans Wake (1939), uma grande comédia escrita em linguagem toda própria.

Depois de viver 20 anos em Paris, quando os alemães invadem a França no início da Segunda Guerra Mundial, Joyce se refugia em Zurique, onde morre, em 1941.

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OBRA

· Música de Câmara (1907)
· Dublinenses (1914)
· Retrato do Artista Quando Jovem (1916)
· Exilados (1918)
· Ulisses (1922)
· Pomas, um Tostão Cada (1927)
· Finnegans Wake (1939)
· Stephen Herói (precursor de Retrato do Artista Quando Jovem, escrito em 1904–06 e publicado em 1944)
· Giacomo Joyce (escrito em 1907 e publicado em 1968)

Poesia
Seus primeiros poemas (Música de Câmara, 1907), líricos, de influência simbolista e feitos para serem letras de música, continham, no entanto uma visualidade e objetividade que os aproximavam do, posterior, imagismo de Pound, além do uso de arcaísmos combinados a alguns neologismos. Joyce publicará, em 1927, seu segundo livro de poesia, Pomas, um Tostão Cada, próximo da radicalidade das suas mais ousadas obras em prosa. Escreve também Ecce Puer, um poema escrito em 1932, sobre dois eventos próximos, a morte de seu pai e o nascimento de seu neto. Publica-os, juntamente com as demais obras poéticas, em Collected Poems (Poesia reunida), em 1936. Apesar de ser autor de um trabalho muito elogiado por poetas como o próprio Pound, que o considerava um brilhante inovador do ritmo, Joyce se considerava um poeta frustrado.

Dublinenses
Trata-se de um livro que reúne em quinze contos, enfocando diversos aspectos da vida de Dublin e seus habitantes. Ênfase especial é dada a experiências de infância, relacionamentos conjugais e epifanias.

Retrato do Artista Quando Jovem
Primeiro romance de James Joyce; ele narra experiências de infância e adolescência de Stephen Dedalus, alter ego do autor; termina com a recriação de seus ritos de passagem para a idade adulta, que incluíram deixar para trás a família, os amigos e a Irlanda e ir viver no continente.

A obra, cuja prosa evolui estilisticamente conforme o próprio Stephen se torna capaz de narrar-se de maneira mais sofisticada, baseou-se numa ideia que Joyce tivera havia mais de uma década, e que depois foi publicada na obra póstuma Stephen Herói.

O Retrato do Artista é um romance de formação, tipo de romance em que é exposto de forma pormenorizada o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, social ou político de uma personagem, geralmente passando por fases de sua vida (infância, adolescência, adulta, maturidade).

Ulisses e a ascensão do modernismo literário

O ano de 1922 foi fundamental na história do modernismo na literatura de língua inglesa, com a publicação tanto de Ulisses quanto do poema The Waste Land, de T. S. Eliot. Em seu romance, Joyce utiliza-se do fluxo de consciência, da paródia, de piadas e virtualmente todas as demais técnicas literárias para apresentar seus personagens. A ação do livro, que se desenrola em um único dia, 16 de junho de 1904, situa os personagens e incidentes da Odisseia de Homero na Dublin moderna e representa Odisseu (Ulisses), Penélope e Telêmaco em Leopold Bloom, sua esposa Molly Bloom e Stephen Dedalus, cujos caracteres contrastam com seus altivos modelos, parodiando-os.

O livro explora diversas áreas da vida dublinense, estendendo-se sobre sua degradação e monotonia. Ainda assim, o livro também é um estudo afeiçoadamente detalhado sobre a cidade, e Joyce afirmava que se Dublin fosse destruída por alguma catástrofe, poderia ser reconstruída tijolo por tijolo, usando como modelo sua obra.

O livro consiste em dezoito capítulos, cada um cobrindo aproximadamente uma hora do dia, começando por volta das 8 da manhã e terminando em algum ponto após 2 da madrugada seguinte. Cada um dos dezoito capítulos emprega seu próprio estilo literário. Cada um deles também se refere a um episódio específico da Odisseia de Homero e tem associado a si uma cor, arte ou ciência e órgão do corpo humano. Esta combinação de escrita caleidoscópica com uma estrutura extremamente formal e esquemática é uma das maiores contribuições do livro para o desenvolvimento da literatura modernista do século XX. Outras são uso da mitologia clássica como a armação para a construção do livro e o foco quase obsessivo nos detalhes exteriores num livro em que muito da ação relevante ocorre dentro das mentes dos personagens.

Celebra-se anualmente a vida de Joyce no dia 16 de junho, o Bloomsday, em Dublin e num número cada vez maior de cidades ao redor do mundo. Em 2004, a capital irlandesa realizou o festival Bloomsday 100, que durou cinco meses (de abril a agosto) e se propunha a reaproximar a cidade e a obra de seu estimado filho.

Finnegans Wake
O método joyceano dos fluxos de consciência, alusões literárias e livres associações oníricas foi levado até o limite em Finnegans Wake, que abandonou todas as convenções de construção de enredo e personagem e é escrito numa linguagem peculiar e árdua, baseada principalmente em complexos trocadilhos de múltiplos níveis. Esta abordagem é similar à usada por Lewis Carroll em "Jabberwocky", mas muito mais extensa. Se Ulisses é um dia na vida de uma cidade, o Wake é uma noite e compartilha da lógica dos sonhos. Isto fez com que "Livro Azul inutilmente ilegível, numa tradução simples", a frequentemente citada descrição de Ulisses no Wake, fosse aplicada por muitos leitores e críticos ao próprio Wake. Entretanto, foi-se chegando a um consenso sobre o elenco central de personagens e enredo geral.

Além do uso frequente de neologismos e arcaísmos, muito do jogo de palavras do livro enraíza-se no uso de trocadilhos multilíngues que conectam uma gama de idiomas. O papel de Beckett e outros assistentes incluiu reunir palavras destes idiomas em cartões para Joyce usar e, à medida que a visão do autor piorava, escrever o texto enquanto ele ditava.


Enfim, deve-se destacar que a obra de Joyce foi submetida a pesquisas intensas por estudiosos de todos os tipos, e ele é um dos autores mais notáveis do século XX. Também foi influência importante para autores tão diversos quanto Beckett, Jorge Luis Borges, Flann O'Brien, Salman Rushdie, Thomas Pynchon, William Burroughs e muitos outros. Haroldo de Campos considera sua obra, em prosa e em verso, de importância central para a poesia posterior a ela.

Fonte: Wikipedia e http://educacao.uol.com.br/biografias/james-joyce.jhtm
 
Gentileza sua :oops:

Queria ter relido o Ulysses esse ano, como no final das contas sempre faço, mas acabou que não deu. Em compensação, pude redescobrir uma obra do Joyce que me passou muito batida, que é o Giacomo Joyce. Li-a desta vez pela tradução do Paulo Leminski e fiquei encantado tanto pelo trabalho editorial da Brasiliense (a edição é da década de 80), com introdução, fac-símiles e fotos de Joyce, bem como da própria tradução do Leminski, muito competente e atenta aos mínimos detalhes. Por exemplo:

Este coração está frustrado e triste. Atravessado de amor?

No original:

This heart is sore and sad. Crossed in love?

Sacaram? Viram como ele conseguiu manter maravilhosamente bem a aliteração do original? Acho que até mesmo o ritmo rápido, num zum!, foi recriado com grande inteligência pelo Leminski, graças ao efeito de TR que ele usou e que ajuda sonoramente na ideia que é apresentada.

Mas enfim. O Giacomo Joyce tem um enredo banal. Um professor se apaixona por sua aluna. E só. O resto é fluxo de consciência. É o Joyce saindo do Retrato, onde ele trabalhou a construção do artista num romance de formação que sai da captação do fluxo mental de um bebê até a consciência da missão artística no final do livro, para o Joyce dos abismos profundos, caóticos, as sinuosidades da megalópole urbano-humana do Ulysses e aos labirintos dedálicos do FW.

O posfácio que o Leminski escreve é, como sempre, fulcral. Leminski sabia como ninguém chegar ao X da questão e ao mesmo tempo escrever um texto maravilhoso, saborosíssimo. Começa falando que Joyce é o maior escritor de todos. E, já prevendo as respostas contrárias (mas e Kafka? Mann? Woolf? Proust? Dostoiévski? [...]), diz:

Primeiro, claro, pelo insuperável domínio dos poderes de som e sentido da língua em que escreve (...)

Depois, pela coerência arquitetônica que conseguiu imprimir ao conjunto de sua obra (...)

Depois, numa condensação que me dá muita inveja, dá o sumo da obra de Joyce:

"Os Dublinenses": a Irlanda, vista do lado de fora.
"Retrato do Artista": a Irlanda, vista de dentro.
"Ulysses": entrechoque entre o fora e o dentro, "monólogo interior", o Dia, a História.
"Finnegans Wake": síntese dialética entre o fora e o dentro, pura linguagem, a Noite, o Sonho.

E é nessa evolução que caminha para a resolução dialética do FW que o Giacomo Joyce tem grande importância. Leminski diz que Joyce estava orquestrando relâmpagos, e é verdade: o Giacomo Joyce possui 17 páginas e é feito de pequeninos pedaços, o maior deles não ocupando nem uma página toda. São relances, cliques, Joyce entrando na mente de sua personagem que muito certamente refletia sua condição, professor que ele também era a essa época (professor de línguas). Pela primeira vez, o livro trabalha com o contato entre o mais velho e o mais novo que será uma tônica frequente no Ulysses todo, bastando que se lembre, digamos, o descompasso interior do Stephen e do Bloom bem como o tema da paternidade que permeia a vida só destas duas personagens.

Posteriormente o Joyce tiraria trechos do Giacomo Joyce para compor outros livros seus, especificamente o final dO Retrato. Em algumas passagens, é até literal que Joyce tirou trechos, incorporou essa pequena obra. Pequena obra, de resto, admirável, pois, como dito pelo Richard Ellmann em prefácio à obra (Richard Ellmann, isto é, o maior biógrafo de Joyce e um dos maiores biógrafos ever [ele revolucionou o gênero]), no final da vida, após o FW, Joyce queria escrever algo pequeno. Mas enfim. Vamos ficar com o próprio Ellmann:

Boa parte dos escritos de Joyce parecem aludir, pelo menos na surdina, a seu romance de meia-idade [isto é, Giacomo Joyce]. Mas, além disso, ele dotou Giacomo Joyce com uma vida autônoma, e a obra se mantém de pé, agora, em seus próprios termos, como uma notável realização. Aos leitores acostumados por Joyce a estruturas formais mais amplas, as dimensões e a informalidade desta que é a mais delicada das novelas pode ser especialmente atraente. Quando, não muito antes de sua morte, Joyce declarou que gostaria de escrever uma história bem simples e bem curta, ele estava pensando, quem sabe, em como ele tinha, um dia, cristalizado a perfeição minúscula, frágil e transitória da sua aluna de Trieste na perfeição minúscula, frágil e duradoura de Giacomo Joyce.

O Giacomo Joyce também foi lançado pela Iluminuras. O tradutor, Jose Antonio Arantes, é seriíssimo e possui experiência de campo considerável. Conheço-o de suas traduções excelente de Seamus Heaney e Marianne Moore. Imagino que ele deva ter feito também um ótimo trabalho.

§§§§§§§§

E ah, sim. Pra quem quiser começar a ler Joyce e não sabe nem onde pisar, a dica que dou é:

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OS MORTOS -- James Joyce, trad. Caetano Galindo.
R$ 14,90
trecho em PDF

Para um explorador da alma humana como James Joyce, o amor jamais poderia deixar de ser um tema de interesse. E, como não poderia deixar de ser no caso de um autor capaz de esmiuçar como ninguém a vida interior de seus personagens, suas visões sobre a experiência amorosa se descortinam por meio de reflexões reveladoras, suas tão comentadas epifanias. Como a de Gabriel Conroy - de “Os mortos”, conto que encerra a coletânea Dublinenses -, que numa festa descobre fatos novos sobre a vida afetiva pregressa da esposa e a partir de então começa a repensar sua relação conjugal e até mesmo seu próprio conceito de amor.
Ou a epifania do protagonista de “Arábias”, outro conto do mesmo volume, um garoto que, incapaz de encontrar num bazar um presente para a menina por quem é apaixonado, descobre a falsidade por trás da ideia da idealização do amor romântico. Ou ainda a do célebre “sim” de Molly Bloom ao final de seu monólogo no último capítulo de Ulysses - um dos solilóquios mais lidos e admirados de todos os tempos -, aceitando Leopold Bloom em sua cama assim como a mítica Penélope acolheu de volta o herói da Guerra de Troia.
Os mortos compreende três grandes momentos do amor na literatura, na prosa de um dos maiores escritores do século XX.

http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=85077

Você pode conferir a justificativa da Maria Carolina Maia. Basicamente, você tem 2 obras-primas e uma obra pra lá de magnífica também. Destaco estes trechos de uma postagem do tradutor a respeito:

Ok, tietagens à parte, que fique claro: Os mortos é um conto absurdamente perfeito, da incrível frase de abertura (que nos coloca diretamente naquele mundo colorido do discurso indireto livre, numa sentença que pertence ao narrador mas obviamente reproduz o discurso, e inclusive o equívoco vocabular da personagem: Lily, a filha do zelador, estava literalmente perdendo a cabeça), ao exuberante parágrafo final

(...)

E o volume publicado ainda tem Arábias, o mais delicado dos contos de Dublinenses, e um dos primeiros a serem escritos.

(...)

Fecha o voluminho o monólogo final do Ulysses, o memorável solo de Molly Bloom, a mais famosa e uma das mais radicais tentativas de justamente superar os limites da prosa flaubertiana que Dublinenses já demonstrava ter dominado à perfeição.

http://www.blogdacompanhia.com.br/2013/08/em-traducao-os-mortos/

E basicamente é isso. Uma das maiores curiosidade que temos ao ler James Joyce é o de entender os processos radicais que ele operou para com a linguagem. Os Mortos faz isso muito bem, trazendo o conceito de epifania na sua máxima voltagem (epifania, isto é, e citando o próprio Joyce no Retrato: "[...] uma súbita manifestação espiritual, presente quer na banalidade da fala ou do gesto quer num estado memorável da própria mente [...]". Mais aqui). O Arábias também é um bom exemplo; inferior; seria um Joyce mais light, nem por isso menos ruim. E, como o Galindo disse, o monólogo final da Molly é o monólogo final da Molly. Revolucionário até as tripas, um verdadeiro marco.

Sobre a tradução do Galindo para Os Mortos, recomendo o texto A leve neve de Joyce de Raimundo Carrero, onde se é discutido em específico o último parágrafo, dificílimo de ser transposto.
 
Última edição:
Eu não disse que aguardava sua abalizada contribuição? Não deu outra, valeu a pena ler o seu post. :clap:
 
Tomara que o finnegans saia tbm pelo sela companhia das letras, apenas... essa capa-colírio fez desejar que o Ulysses tivesse ido sem os padrões penguin (embora tenha ficado d+ tbm...).
 
A versão dos conversos
Caetano Galindo assume a obsessão joyceana das palavras em sua edição brasileira de Ulysses
TAGS: Dossiê 176, Metamorfoses de James Joyce
Omar Rodovalho

Jamais uma tradução se dispôs a seguir tão microscopicamente um texto dessa magnitude e não será exagero dizer que a versão de Ulysses feita por Caetano Galindo e publicada no Brasil pela Penguin/Companhia das Letras instaura um novo grau de atenção às peculiaridades da escrita joyceana: uma espécie de Gifford (o famoso autor, ou talvez coletor, da suma enciclopédica de conhecimentos conhecida por ‘Ulysses’ Annotated: Notes for James Joyce’s ‘Ulysses’ [1988]) para os leitores do português, mas um Gifford que ao invés de explanar recria. Dentre todas as suas versões em línguas neolatinas, pode-se pensar que somente agora a religião fundada por Joyce produziu seu primeiro rebento, o único a assumir a obsessão com as palavras como sine qua non para a consecução da obra. Houve quem se dispusesse a conciliar a scholarship de anos a fio com o fazer tradutório, o caso da edição espanhola de Francisco García Tortosa, mas o primor do texto ficou muito aquém do obtido aqui. E Galindo está tão ciente dos méritos do seu Ulysses que, sem sequer apresentar o excerto original, não pestaneja em exibir sua própria versão ao traduzir as citações que, no ensaio introdutório, Declan Kiberd traz para exemplificar peculiaridades da escrita joyceana.

Os desafios são inúmeros e surgem já nas primeiras páginas, por exemplo ao exigir do tradutor uma posição quanto aos triquestroques de Buck Mulligan com buck (“Sunny and tripping as the buck himself ” [U 1.42] e “Redheaded women buck like goats” [U 1.706]): Galindo é o único a aceitar o desafio em português, embora só o faça no primeiro caso (“Ágil e radiante como um buque de guerra” [98])1. Ainda no tocante aos nomes, o leitor acostumado com o original ficará perplexo ao se deparar não mais com Nosey Flynn, Hoppy Holohan, Bantam Lyons e Blazes Boylan, mas com os saborosos apodos Cheirão Flynn, Deixaqueeuchuto Holohan, Garnizé Lyons e Rojão Boylan, numa ousadia sem precedentes para o leitor da última flor do Lácio (nos demais idiomas, as tentativas ocorreram mais amiúde, como no caso de “Flam Boylan” de Jacques Aubert ou o “Lyons Gallito” de Tortosa). No caso de Blazes, Galindo vai muito além, pois pautou-se por traduzi-lo por Rojão não só nas vezes em que serve de alcunha a Boylan, como também em quase todas as aparições do substantivo em contextos envolvendo Bloom, sendo passível de crítica apenas ao verter “Come on to blazes, said Blazes Boylan, going” [U 11.430] pelo insosso “Vamos comigo, disse Boylan consigo, saindo” [445]. Outro ponto notável das suas experimentações surge ao verter “The ballad of joking Jesus” [U 1.608]: contrariando os caminhos já trilhados pelos demais tradutores e abdicando do JJ que permeia as palavras de Mulligan (“Joseph the joiner, jesuit jibes, jejune jesuit”), Galindo valeu-se dum trocadalho impagável ao propor “A balada do Cristo Ridentor” [118]! Ter em mente ainda a genial solução para os acrósticos “If you see Kay (…) See you in tea” [U 15.1893-6], respondidos à altura por “Se age, há o tio (…) Se use, Ah!, ó tio!” [740], ou então o fato de ser o único a ousar uma versão digna para o intraduzível-por-traduzir A.E.I.O.U. [U 9.213] pensado por Stephen em relação às dívidas que contraiu (“I owe you”, “Eu devo a você”) com George Russel (conhecido como A.E.): “A.E. e/ou eu, ai. Eia” [344].

As redes de repetições foram meticulosamente consideradas por Galindo e é justo dizer que o leitor de sua versão consegue senti-las sem custo. No entan- to, um reparo deve ser feito no que concerne às memórias do Bloom joyceano e do galíndico: embora em ambos a frase que se recorda seja óbvia, no original ela é ipsis litteris, nem sempre o sendo na tradução (estou pensando nalgumas frases da carta de sua amante epistolar Martha, nalgumas passagens do romance levemente pornográfico Sweets of Sin, que Bloom comprou para Molly, nos versos da canção de Boylan que não sairão da cabeça do protagonista, na vacilação entre “R.I.P.: rip” e “R.I.P.: fim” da carta jocosa que o marido de Mrs. Breen recebeu, dentre outros casos mais). Mas, se o trabalho com as teias de repetição é primoroso, não estou tão seguro do acerto no tocante à expansão do léxico. Em Joyce, esses dois impulsos se fundem, se confundem, mesmo no seio duma só palavra (como, por exemplo, no primeiro episódio, a polivalência que Mulligan concede ao slang kip [“aquilo que é agar- rado ou ganho; bordel; pensão; cama”, segundo Gifford], traduzido por Galindo sempre como “michê” – talvez por conta deste envolver tanto o ganho quanto a prostituição, além da associação com “mixe”), gerando efeitos de sentido próprios e demandando do leitor uma atenção especial para com tais movimentos. Pois bem, esse léxico no Ulysses de Joyce vai se avolumando página a página e a ele deve-se em larga medida a existência do ‘Ulysses’ Annotated de Gifford, pois, à medida que essa expansão ocorre, os melhores dicionários já não são bons o bastante para dar conta dum léxico mul- tilíngue que ultrapassa as trinta mil palavras, que flerta com o incognoscível e que incorpora o ruído de maneira exemplar. E enquanto existe a demanda por clareza no original, o texto de Galindo mostra-se ao demais translúcido, exigindo quan- do muito um dicionário excelente e às vezes, por ironia, o próprio Gifford (como ao traduzir “brollies or gumboots” [U 14.1442] por “jeitos e tundas” [659], segundo o comentador “Rhyming slang for ‘breasts or bums [bottoms]”’)! O exemplo máximo dessa submissão à leitura de Gifford pode ser visto no excerto final do episódio “Gado do Sol” [U 14.1440- 1591], quando Joyce submete a narrativa a uma tradução para as mais variadas gírias do inglês: nessa passagem, as explanações de Gifford foram seguidas à risca por Galindo mesmo quando um tanto descabidas e em completo desacordo com o Oxford English Dictionary (como no caso citado acima, brolly – “forma sincopada de umbrella, guarda-chuva” – e gum-boot – “bota feita de goma ou borracha” –, possíveis referências a métodos contraceptivos se considerarmos outras passagens do episódio). Nesse tocante, e a despeito das monstruosidades que fez, a versão de Antonio Houaiss para Ulysses (publicada em 1966, pela Civilização Brasileira) continua a única que buscou devolver um léxico à altura do original, ainda hoje exigindo a figura do comentador para se fazer compreensível, “a versão dos versados” (é, aliás, conhecida a anedota segundo a qual Houaiss, após traduzir o Ulysses, pôs-se a elaborar um dicionário que lhe permitisse a leitura).

Não pense o leitor, entretanto, que essa aparente clareza se deva a um simples desejo de comunicar, como ocorre na facilficação do dificiofícil de Bernardina Pinheiro (publicada pela Objetiva, em 2005), “a versão dos avessos” (a título de exemplo, considerar sua versão ímpar para “Agenbite of inwit. Conscience” [U 1.481-2]: “Remorso de consciência. Consciência” [2005: 18] – o que para o jovem Dedalus era título duma obra medieval e exercício de tradução literal do latim “remorsus” (“re” + “mordere” / again + bite) e “conscientia” (“con” + “scientia” / in + wit), em Bernardina torna-se um mero latinismo de etimologia apagada; como em a “Remorsura do inteleito” [114] de Galindo ou a “Remordida do imosenso” [1966: 18] de Houaiss): Galindo propõe-se a compensar essa amplitude lexical submetendo seu texto a diversos níveis de experimentação com o coloquial (como, por exemplo, o uso exagerado de “-inhos”), o informal (mesclando “você” com “te” nos diálogos), o regionalismo (o gauchismo “na ponta dos cascos” para tiptop), as expressões populares, as gírias, os falares adolescentes (como o “beijandinho” [582] pensado por Bloom). A impressão de clareza dá-se, antes de mais, por conta do português familiaríssimo de que se vale, mas um português que será explorado com mestria e sensibilidade ao longo de toda a tradução, buscando efeitos líricos e irônicos capazes de compensar a supressão léxica.

Além destes aspectos, é importante apontar a bela acolhida que Galindo oferece aos erros, desvios e ruídos que permeiam o original e que, em Joyce, servem para adensar a representação do humano via linguagem: pensamentos incompletos, palavras não ditas, gagueiras, incompreensão, superinterpretação, linguagem corporal, onomatopeias insólitas, tudo está ao dispor de Joyce para expandir o que compreendemos por verossímil e jamais esses distúrbios, tropeços, vacilos foram recriados com tamanha habilidade e atenção – “Sua mão à procura do onde será que eu pus achou no bolso do quadril sabonete loção tenho que ir lá buscar papel tépido grudado. Ah, sabonete aqui!” [336]. A isso vêm juntar-se outros traços marcantes da escrita joyceana, como a abolição do hífen nas palavras compostas (com consequências para a morfologia do português, como se vê no “Senhamor, senterra, senhesposa” [150] que traduz “Loveless, landless, wifeless” [U 3.253] – “Desamorado, despatriado, desesposado” [1966: 49], na versão de Houaiss), o enxugamento radical das vírgulas, a incorporação de vestígios da sintaxe inglesa ou então, ponto extremo de sua tradução, o ensaio sobre a literatura lusobrasileira oferecido em sua recriação do “Gado do Sol”, traços que dentre diversos outros fazem do Ulysses de Galindo um marco não só das traduções joyceanas como de nossa literatura.

Omar Rodovalho é doutorando do Programa de Teoria e História Literária da Unicamp, onde escreve uma tese sobre Joyce

Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2013/09/a-versao-dos-conversos/
 
Alguém podia dar a ideia de criar uma espécie de caderno de tradução, né? Quem sabe o público entenderia quão complicada é essa joça? :P
 
Para os entendidos na obra de James Joyce, em especial para o @Mavericco, lanço a seguinte indagação: vale a pena adquirir o livro SIM, EU DIGO SIM - Uma visita guiada ao Ulysses de James Joyce, de Caetano Galindo?

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Pergunto isso porque, como ainda não tive coragem para encarar a leitura dessa grandiosa obra, pretendo ler Ulysses este ano e, assim, creio que um guia pode ser importante para facilitar a leitura. O que acham?
 
Não sou entendido, Spartaco, mas acho que anotações podem ajudar um bocado sim. Tanto essas aí quanto quaisquer outras como as da edição da Alfaguarra. E como foram publicadas separadamente, as do Galindo têm a vantagem de poderem ser mais extensas do que as notas de rodapé.

Sei pelo menos que as da edição anotada da Penguin que li ajudaram muito a dar confiança na leitura (tanto que no final você já está farto de notas, que vão em cada linha quase, e pode passar sem elas). O modelo da Penguin é ter um resumão do capítulo e algumas notas para palavras mais difíceis. Imagino que esse guia do Galindo seja parecido. A introdução da edição que li (de mais de 100 páginas) está traduzida na da Companhia.

Mas ó, dá uma olhada na livraria. Pelos capítulos de apresentação que estão disponíveis na página da editora (http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=14065) parece que o Galindo usa o mesmo estilo que ele usa nas postagens do blog, informal. Acho que as notas não ficariam bem assim, mas não devem estar também.
 
Spartaco, não li o livro... Vou sair pra ver se o compro essa terça. Mas gosto muito da ideia do Galindo escrever o guia e com o jeitão informal dele.
 
Não sou entendido, Spartaco, mas acho que anotações podem ajudar um bocado sim. Tanto essas aí quanto quaisquer outras como as da edição da Alfaguarra. E como foram publicadas separadamente, as do Galindo têm a vantagem de poderem ser mais extensas do que as notas de rodapé.

Sei pelo menos que as da edição anotada da Penguin que li ajudaram muito a dar confiança na leitura (tanto que no final você já está farto de notas, que vão em cada linha quase, e pode passar sem elas). O modelo da Penguin é ter um resumão do capítulo e algumas notas para palavras mais difíceis. Imagino que esse guia do Galindo seja parecido. A introdução da edição que li (de mais de 100 páginas) está traduzida na da Companhia.

Mas ó, dá uma olhada na livraria. Pelos capítulos de apresentação que estão disponíveis na página da editora (http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=14065) parece que o Galindo usa o mesmo estilo que ele usa nas postagens do blog, informal. Acho que as notas não ficariam bem assim, mas não devem estar também.

Spartaco, não li o livro... Vou sair pra ver se o compro essa terça. Mas gosto muito da ideia do Galindo escrever o guia e com o jeitão informal dele.

Valeu gente.

Pelo visto, acredito que deva ser bem interessante e elucidativo o livro do Galindo. Vou correndo comprá-lo. :pula:
 
Aiai, o que eu posso falar de Joyce? Quando saiu a tradução do Galindo eu, que tinha ouvido vocês falarem tanto dele (particularmente o Mavz), que saí pra comprá-lo, junto com o Dublinenses. O Retrato do Artista quando Jovem eu li mais posteriormente. O Ulisses devo ter lido umas quatro vezes.

Deve ter sido a experiência literária mais aliterária que já tive. O Ulisses não é um livro. Há limites para se ter uma experiência literária, propriamente literária, talvez não limites muito claros e definidos, mas eles existem. Quando leio a Bíblia tenho uma transcendência literária, aquilo que os Padres se referiam como noesis, o caminhar da mente em direção a coisas elevadas, não objetos, mas interrelações de verdades, objetos ideais, 'presenças'. Assim é que Dostoievski não é literatura pra mim, é um encontro no infinito entre consciências que se descobrem como pessoas, tão eterna e ontologicamente quanto é delimitado no espaço e definido temporalmente seu encontro histórico. Essencialmente, porém, as personagens de Dostoievski não se movem por planos e épocas, são as épocas e planos que perpassam encontros, sempre únicos, onde Deus e o diabo se digladiam. Eu encontrei Deus em Dostô. Diferente de Fernando Pessoa, onde o perpassar aristocrático de sentimentos em que se mergulha é transcendido pela musicalidade uma verdade jamais manifestado, um hermetismo do ritmo, da palavra que não se finda nem quando é excessiva. Ou daquelas palavras, orações, períodos intensos, longos, erotizados do Gabo, aquela pornografia verbal, aquele aroma suave e irresistível de pântano de amor, de morte, de desesperança e saudade imensa, o mito arquetípico do lugar-nenhum.

Joyce é diferente. Um quê de tapa na cara do conservadorismo, pitadas de preciosismo formalista, modernismo literário, pós-modernismo incubado em uma metalinguagem transgressora. Tudo isso faz parte de Joyce, tudo isso e nada disso. Eu comecei a compreender o Ulisses quando passei a deixar de pensar, de refletir sobre os esquemas dos capítulos, suas associações literárias e simbolismos, quando suspendi o próprio intelecto e só me entreguei à narrativa. Curioso que nem isso dava certo, Joyce não é o Gabo, não há nada irresistível aqui, pelo contrário, tudo oferece resistência, exige preparo vocabular, uma intuição bárdica de se cantar com a mente do escritor, uma exigência de assassinato constante do autor, sua biografia, história. É difícil, tenso, modorrento às vezes, mas não é nada que conhecimento das fontes clássicas vá ajudar. Ou vocabulário. Eu só compreendi o Ulisses lendo Dublinenses e o compreendi, principalmente Stephen Dedalus, lendo O Retrato. O que eu compreendi é que o Ulisses é um grande pântano habitado por inúmeras consciências atormentadas onde o dia de 1000 páginas é muito curto para estabelecer a dialética entre o coração do Mundo e o coração do Homem, e que eu precisaria conhecer ambos, cada um em seu habitat. Conheci o Mundo em Dublinenses e o Homem em 'O Retrato'. Aliás, no meu mais profundo seio religioso ainda não me recuperei de 'O Retrato'. O romance de formação é de uma visceralidade ainda mais indecente que as verdades epifânicas do mundo dublinense. Mas aí eu pude ler Ulisses. Não sei descrever essa experiência ainda: satânica? Nada construtiva nem destrutiva, muito menos algo descompromissado. O Ulisses é uma Bíblia do mundo moderno, do reviver de tensões antigas, de revelar a insuficiência da tradição, explorar caminhos ocultos, adentrar pântanos onde o Eu se mistura com o ambiente que se vive e dessa mistura se mata constante e venenosamente o Eu. A crença na morte lenta do Eu, a falta de esperança em sua substancialidade, sua relativização e transformação em uma pasta grudenta que se vai derramando pelos esgotos de Dublin, o sêmen jogado na praia, os sonhos derramados na praia, o amor vilipendiado e acariciado no bar, a infidelidade erigida em amor ou brinquedo, o amor conjugal como conjugação do vício, da torpeza e da fidelidade às fraquezas um do outro, a esperança... jamais a Tradição sendo renegada, jamais a modernidade sendo incensada, a verdade fundamental sendo revelada pelo discurso truncado, difícil, trabalhoso, a verdade sobre a modernidade como o compromisso, a covardia, a impureza, uma vindicação metafísica da sujeira, do lodo, da nossa humanidade.

Nem Deus nem Satanás, o Ulisses, e tudo que li e aprendi de Joyce foi uma verdadeira metafísica humana, de valor totalmente imanente, uma história da formação e da vivência. É uma lição ainda não aprendido. São livros que leem você. Uma obra que nunca acaba, que continua sua história dentro de nós e à nossa volta...
 

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