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[Spring] Beijos ocos [L]

Spring

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Autor: Spring.
Gênero: 14+.
Título: Beijos ocos.
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Phillip estava novamente naquela sala de estar fria. Ampla, repleta dos seus pertences, mas sem vida. Algo que nem mesmo ele tinha a essa altura. Achava-se sentado em um longo sofá vitoriano, com bordas douradas e almofadas de seda vermelha. Sua fronte estava curva, a cabeça, baixa e as mãos com os dedos entrelaçados sobre os joelhos separados. Não havia luz no aposento à exceção do luar cálido, que entrava pelas altas janelas voltadas para o jardim. Esta luz lhe banhava e assustadoramente o fazia parecer como mais um objeto do aposento. Uma escultura de gesso totalmente deprimida. As pessoas de fora poderiam jurar que haveria morrido a esperando.

Ela. Ah... como sentia a sua falta! E como gostaria de nunca tê-la conhecido! Seu coração havia sido devorado pelas traições daquela boca. Da mesma boca que o beijava todas os dias e que sempre voltava cheirando a álcool. A mesma doce boca vermelha, tão próxima ao pescoço sempre com um perfume diferente. Um perfume que não era dela, da sua tão amada, mas era um aroma totalmente estranho. Um diferente todos os dias. Por ventura alguns cheiros se repetiam, a cada uma ou duas semanas, mas nunca eram iguais. Foi mais de um ano na mesma rotina, quase dois. Phillip havia tomado uma decisão naquela noite, porém esta não o deixava mais feliz.

Ouviu o som típico de um corpo batendo contra as portas da entrada de sua casa. Aquele foi o seu despertar do mundo de pensamentos sombrios e a transição para o seu mundo semi-morto. Respirou bem fundo antes de se levantar. Caminhando, via pela vidraça fosca alguém de vestes rosadas tentando se re-erguer do chão enquanto buscava abrir a maçaneta. Pelas batidas nas portas de carvalho, sua mão estava boba e fraca como em todos os outros dias. As pernas, moles, como um dia fora o coração daquele homem que caminhava silenciosamente despedaçado.

Ao abrir as portas, deixou-as irem sozinhas ao resgatar o corpo de sua mulher a meio caminho do chão. Sem resistência ela desmontou sobre aqueles braços, já acostumados a carregá-la. Ao percebê-los, sem nenhuma coordenação tentou por as mãos sobre os ombros do marido. Enquanto condicionada a ficar de pé, a bela loira balbuciava inúmeras coisas sem sentido, a voz alterada proferindo palavras com odor de conhaque e vinho. Infelizmente, no meio daquela bagunça de palavras, Phillip conseguiu entender algumas coisas. Sufocando mais uma vez o seu coração trincando no peito, foi quando ele ficou totalmente ereto que Marina conseguiu o apoio de seus ombros. As mãos brancas de dedos finos e delicados mantinham-se tão moles quanto o restante de seu corpo, pesado sobre os cansados músculos do homem que, um dia, havia jurado amar.

Erguendo o queixo com dificuldade, a moça de maquiagem borrada, cabelo solto e roupas desarrumadas conseguiu mirá-lo diretamente nos olhos. Nenhuma pupila brilhava naquela troca de olhares, mas ela sorriu. Um sorriso trêmulo que, aparentemente com mais sobriedade, pronunciou as mesmas palavras de sempre:

- Olá, amor.

Pondo suas mãos no rosto dele, o homem de cabelos lisos e grisalhos teve que segurá-la mais firme enquanto sua boca era borrada de batom e transbordada por alguma bebida nova. Separando os lábios um do outro, Phillip pôs um dos braços de Marina sobre o pescoço e com uma mão a sustentou pela cintura. Não queria mais saber de beijos. Melancólico, falou com o tom de voz mais terno que ainda conseguia ter.

- Não precisa mais fazer isso, querida. - falou, enquanto começava a caminhar com ela na direção das escadarias. - Você não precisa mais me esconder nada. Eu sei de tudo, amor. - Com a última palavra que proferiu não pôde evitar seus olhos de lacrimejarem. - Mas não se preocupe. Vai ficar tudo bem.

Já no quarto, ele a pôs na cama que um dia fora o ninho de amor dos dois. Cobriu-a e antes de dar-lhe um beijo na testa com mechas loira-escuras, proferiu as que seriam suas últimas palavras naquele lugar:

- Tomei uma decisão hoje, meu bem. A partir de amanhã você será uma mulher livre. Ouviu, Marina? - frisou, pondo sua mão sobre uma das bochechas rosadas e fitando triste os olhos cor de mel. - Você está livre.

Deu-lhe o beijo e viu a expressão incrédula da esposa por um momento. Não demorou mais do que isso para o dar um sorriso de alívio lento e fechar seus olhos no mais profundo sono. Dando as costas para ela, saiu antes que sua mente relevasse qualquer arrependimento. Não havia mais jeito, Phillip concluíra. Tinham tentado de tudo por tempo demais, mais ainda do que ele podia suportar. Marina seria livre para fazer o que bem quisesse, sem ter que se preocupar com nenhuma obrigação. Era o melhor que podia dar àquele ponto. Não havia mais nada.

Partiu sem prantos. Na manhã seguinte, com o choro da amada diante das malas feitas, também não derramou uma lágrima sequer. Não chorou nada durante uma semana, duas, três. Passaram meses e não pranteou. Anos correram, chegaram a uma década. Ele nunca chorou a perda de Marina.

Mortos não têm pulso. Tampouco mortos de alma, choram. Toda a vida que havia, faleceu dentro de Phillip. Agora ele unicamente sobrevivia. Por Marina. Sempre por Marina.
 
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